sexta-feira, 24 de maio de 2013

Filha do Mangue


Vem a chuva a me acordar às quatro da manhã.  
Quatro e trinta e sete.
Tocando um samba canção nas telhas do meu quarto. Chegou mansinha convidando a bailar.
A introdução era um ritmo tirado da caixa de fósforo. Leve, quase canção de ninar.
Me faço de difícil. Fico ouvindo, mas não abro os olhos. A minha intenção era que ainda fosse noite e eu estivesse sonhando.
Mas a chuva não é qualquer uma. Chuva de maio me lembrando que nasci num dia assim. Chuva de inverno, temperamento forte. E ela engrossa a bateria, fazendo um samba enredo.
Sou do frevo, não sei sambar.
Levanto pra saudar a mãe natureza.
Tomo meu café com uns pinguinhos me beijando no alpendre.
É preciso arrumar a calha.
Volto pra cama, crente que tinha amainado a minha inquilina.
A rua sendo lavada pela água que veio do céu. 
Escolho o melhor jeito de me enfronhar pelo travesseiro, consigo me aninhar. 
Mas eis que me chega o cheiro da terra molhada e então ouço um tropel.
Agora não é mais samba. 
Fico deitada curtindo aquele concerto infinito. Sinfônico.
O gato se esgueira pelas frestas da porta da varanda. 
O cachorro late em resposta.
A TV, mesmo com o som ligado, fica muda. 
Chove.
Não troco isso por nenhum dia de sol radiante.
Sinto a umidade a 90% na minha pele. 
Gosto do sabor da maresia que a chuva me traz. 
Sou filha do mangue do Recife. 

quarta-feira, 8 de maio de 2013

Poligamia





Casei umas 15 vezes nos últimos anos. Talvez tenha sido mais.  
A primeira vez casei com os olhos. Olhei, apaixonei, casei.
Bodas de papel.
Na segunda vez decidi formalizar. Um casamento coletivo, no cartório. Tinha gente de todo tipo junto.
Bodas de algodão.
O casamento seguinte foi na igreja. Trocamos as alianças num ritual singelo. O primeiro filho nos braços.
Bodas de trigo.
As bodas de flores foram com um homem trabalhador, pensava no bem estar da família. Compramos o apartamento.
Depois, me surgiu um homem mais maduro, mais leve. Gostava de sair à noite, de viajar.
Bodas de madeira.
Com as bodas de açúcar ganhei meu segundo filho. Doce, alma de artista, olhos curiosos. Igual ao pai.
Bodas de latão para os tempos difíceis, bodas de barro para o artesão. Amei o jardineiro, fui amante do menino.Do puro. Do macho.
As frágeis bodas de papoula me trouxeram um homem inseguro. Amei.
Buscando firmeza, encarei as bodas de zinco. Depois de aço. Esbarrei na beleza do ônix.
No tempo do ardor, me enfronhei pelas bodas de linho e renda. Tempo do marfim.
O príncipe me chegou em um cavalo branco nas bodas de cristal. Fui sua bela. Adormeci no amor.
As bodas de turmalina me pareceram sem sal.
As de cretone foram cretinas.
Estou nas bodas de porcelana. São lindas. Encantam. Porém, carecem de delicadeza no cotidiano.
Não sou volúvel. Sou criativa.
A questão não é ser casado. É estar. Verbo de ligação, que faz laço, costura a frase e a vida.
O segredo é casar todo dia.
Há 20 anos. 

Horizonte

 Pausar.  Simples e necessário! Tempo restaurador. Arrumar as gavetas da cabeça, acariciar a alma, alentar as dores, afagar os prazeres. Fec...