Vem a chuva a me acordar às quatro da manhã.
Quatro e trinta e sete.
Tocando um samba canção nas telhas do meu quarto. Chegou
mansinha convidando a bailar.
A introdução era um ritmo tirado da caixa de fósforo. Leve, quase canção de ninar.
Me faço de difícil. Fico ouvindo, mas não abro os olhos. A
minha intenção era que ainda fosse noite e eu estivesse sonhando.
Mas a chuva não é qualquer uma. Chuva de maio me lembrando
que nasci num dia assim. Chuva de inverno, temperamento forte. E ela engrossa a
bateria, fazendo um samba enredo.
Sou do frevo, não sei sambar.
Levanto pra saudar a mãe natureza.
Tomo meu café com uns pinguinhos me beijando no alpendre.
Tomo meu café com uns pinguinhos me beijando no alpendre.
É preciso arrumar a calha.
Volto pra cama, crente que tinha amainado a minha inquilina.
A rua sendo lavada pela água que veio do céu.
Escolho o melhor jeito de me enfronhar pelo travesseiro,
consigo me aninhar.
Mas eis que me chega o cheiro da terra molhada e
então ouço um tropel.
Agora não é mais samba.
Fico deitada curtindo aquele
concerto infinito. Sinfônico.
O gato se esgueira pelas frestas da porta da varanda.
O
cachorro late em resposta.
A TV, mesmo com o som ligado, fica muda.
Chove.
Não troco isso por nenhum dia de sol radiante.
Sinto a umidade a 90% na minha pele.
Gosto do sabor da maresia que a chuva me traz.
Sou filha
do mangue do Recife.