Tocam os sinos da igreja de Santa Cruz. Replicam-se na igreja de São Gonçalo. O convento da Glória acorda seus carrilhões. A Matriz da Imperatriz alardeia.
Estou no coração da cidade.
Cada vez mais, no seu coração, nas suas tripas, no seu miúdo.
Agradeço ao Recife por me mostrar o Coque, por sentir o cheio azedo dos seus canais, por me agraciar com a paisagem das palafitas a partir da Ponte Velha.
Contraste do Mangue provedor com o cais excludente.
Agradeço porque assim, amo mais.
Sou grata pela paisagem do porto no Marco Zero. Pelas colinas da Marim que revelam minha cidade natal de cima.
O colorido do carnaval que entorpece, o clarim que hipnotiza, o frevo que escraviza a alma foliã.
Seis e meia da manhã.
Rua da Glória, acorda!
Passa o primeiro pregão. Ouço o mexe mexe dos vizinhos.
Um reclama que falta água. O outro levanta o cheiro do cominho na carne de boi.
Uma grade se abre. Alguém reclama e bate com força.
A rádio dá conta do que sangrou na madrugada.
A vida aqui tem vida.
São sete.
Levanto, faço o café e me declaro. Eu, herdeira do mar de Iracema, desertei para a terra do mangue. Inventei de ver a luz pela primeira vez na terra ao nível do mar.
Nasci Recifense. Adotei José Mariano e Frei Caneca. Fiz de 1817 uma data dos meus ancestrais.
Nasci na terra que tudo é misturado: mar, rio, maré, mangue. Maracatu, frevo, cabocolinho, coco, repente.
Sete e meia.
Chega de poesia escrita. O carroceiro na minha porta é poesia viva.
O boy na bicicleta não frequenta a ciclovia. Passa o dia inteiro transportando Pitu E Dreher pros bares da Boa Vista. É seu ganha pão.
Esta cidade mazelada poucos sonhos abriga.