sábado, 11 de dezembro de 2021

Clarice, vem conversar!

O mormaço emerge do chão.

A chuva fina que cai insegura se desfaz antes de tocar no solo. 

O suor que traça caminhos incertos pelas minhas costas chega a fazer cócegas.

Recife parece um forno.

As roupas desfilam grudadas nos corpos, o pensamento anda em câmera lenta. 

No supermercado aqui perto de casa o tomate está custando R$ 9,29 reais o quilo. Onde vai parar este mundo? Um simplório molho de tomate com cebola, louro e tomilho virou iguaria. Uma pitada de sal e pimenta pra levantar o sabor... O molho vinagrete do arrumadinho do final de semana, ou pra acompanhar aquele churrasco... aliás, a carne também está pela hora da morte. Melhor mudar o cardápio do domingo.

Volto com as compras e quero que o mundo congele, literalmente. 

A umidade do ar não é assim tão relativa. Me parece absoluta. 

Recife parece um forno.

E eu cozinho as ideias, tempero os sentimentos enquanto sinto o peso da tarde.

Sonho com o pôr do sol, desejo a brisa que vem do mar. 

Recife, esta cidade litorânea que respira agreste.

O mapa não transpira, não se compadece de mim.

Minha cabeça dói. Deve ser o calor. 

Chego com as compras, vou guardando, abro logo o pacote de chocolate amargo e destaco um pedacinho. Mordisco as pontas e sinto o agridoce da nota de sal. 

Gosto dos opostos. Gosto de sentir na boca os sabores tomando lugar, desenhando aromas, afagando memórias.

Vou ordenando meus dias na cabeça enquanto guardo o milho de pipoca, lavo as frutas e separo os legumes.

O que eu diria a ela no dia do seu aniversário? Como contaria sobre este Recife tão distinto da sua infância? 

Um Recife que há dois anos não tem carnaval. 

Um Recife, cidade desigual.

Um Recife que amo como talvez, você também.

Queria te dar de presente a cidade que mora no meu peito.

Queria dividir um sorvete de tapioca, andar na beira do rio e dar boa tarde ao vendedor de amendoim. Torrado ou cozinhado?

Sexta-feira, 10 de dezembro. Dia que se faz mais um.

Clarice hoje faz 101 anos.

A chuva fina canta melodia nas folhas da papoula. O calor desenha arabescos no vidro da janelas. 

Senta aqui, Clarice... vamos conversar.


Na foto: Clarice menina.

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Horizonte

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