terça-feira, 26 de janeiro de 2021

O livreiro


A gente não some de vez. A gente vai sumindo aos poucos. Cada casa demolida, um teatro que fecha, um cinema que vira igreja...

A gente vai perdendo os pontos de referência. 

- Naquela esquina era uma loja, virou farmácia.

-A padaria da infância virou arranha céu.

- A livraria que fechou.

Hoje eu acordei me sentindo menos daqui.

Hoje uma refência da cidade se foi.

Não era cinema, teatro ou igreja.

Era uma figura humana que se expandia para além do corpo e vai continuar se expandindo para além do tempo. 

Onde era a livro 7 hoje talvez seja uma loja de cosméticos. 

Eu ia lá sem grana. Lia uns livros "à prestação". Sentava e me sentia em casa.

Devia ter uns 15 anos...

Comecei a juntar uns trocados pra comprar os títulos que mais gostava.

E a figura de Tarcísio, mesmo não sendo próximo, era referência.

Eu simplesmente sabia quem ele era.

Hoje precisei de algumas palavras para explicar ao meu filho o que era a Livro 7. 

Um lugar que não existe mais.

Mais que um lugar!

Uma ideia.

Hoje foi Tarcisio quem partiu.

Tarcísio não era dono de uma livraria. Ele era um livreiro. 

E pensando bem, não era livraria. Era um espaço de cultura.

Ando cansada de ir procurar livros e só encontrar best sellers "remakes" de filmes ou vice versa.

Ando desesperançada de perguntar por Florbela Espanca. 

Ou por Ana Cristina Cesar...

As prateleiras não me surpreendem mais.

Hoje foi Tarcisio Pereira quem partiu. 

E eu sumi mais um pouco com a partida dele.

domingo, 24 de janeiro de 2021

FANTASIA SEM NOME



Hoje de tarde um vizinho do prédio ao lado começou a tocar um clarim. Rasgou a paz da tarde de domingo com o hino do homem da meia noite.
Papapapapa... pararapá... pararapá....
Tocava num ritmo lento, mastigando cada nota.
Aquele sopro solitário no céu nublado. De repente, uma chuva faz subir do chão o mormaço. Tão Recifense, este cenário!
O músico solitário repetia a melodia... e meu desalento o acompanhava. O bloco solitário.
Uma melancolia batendo à minha porta. Uma coisa fora do lugar... Nesta pandemia eu me virei do avesso. Me reinventei. Estudei. Cuidei de mim e dos meus. Driblei aniversário, tirei de letra as festas mascaradas de final de ano. Mas não estou conseguindo metabolizar a saudade do carnaval.
O ritual sagrado da festa profana. O ambiente de congraçamento, de confraternização. A licença poética de ser quem quiser.
Eu dizia sempre: este ano não vou brincar. Já era tradição. Na família, já era graça. Aí, um dia, tirava do armário a mala de fantasias, “pra tirar o mofo”. E vinha a primeira prévia... e como eu já não ia brincar, era melhor aproveitar! E me esbaldava, e fazia que nem visita indesejada: ia ficando. Ia pulando. Ia me embriagando na cachaça do passo, na beleza do brilho. Pulava do frevo pro maracatu. Acordava caboclinho, dormia baque solto.
A festa começava como quem não quer nada.... aquela coisa que entra na cabeça, depois toma o corpo e acaba no pé.
O carnaval sempre foi a festa mais importante do meu calendário.
Racionalmente, sei que não podemos ter a folia em 2021. Eu defendo que a gente precisa ficar em casa.
Mas como carnaval não é nada racional, a alma... ah... esta alma foliã está amofinada. Amuada e arretada. Vai ser o jeito segurar firme o sonho pela mão e levar ele direitinho até 2022.
Dessa vez eu quero brincar e não tem carnaval. A minha fantasia mais inesperada.
Fico em casa imaginando no próximo ano o tanto de gente vai sair de coronavac, de Butantã, confinamento, de vírus... de super imunizada!!!!
Chego a sentir o calor do mormaço subindo pelos pés enquanto eu subo a misericórdia com o sol pelando de quente.
Chego a rir sozinha quase antevendo a folia temporã.
E quando finalmente eu abrir novamente a caixa de maquiagem, desembrulhar o sem fim de brilhos e a coleção sem noção de adereços, vou inventar uma fantasia sem nome. Vou vestir o melhor delírio e me enfronhar ruas afora.
Viver intensamente a democracia republicana do reinado de momo. Minha contradição. Meu melhor sonho. Meu carnaval.

Horizonte

 Pausar.  Simples e necessário! Tempo restaurador. Arrumar as gavetas da cabeça, acariciar a alma, alentar as dores, afagar os prazeres. Fec...