Hoje de tarde um vizinho do prédio ao lado começou a tocar um clarim. Rasgou a paz da tarde de domingo com o hino do homem da meia noite.
Papapapapa... pararapá... pararapá....
Tocava num ritmo lento, mastigando cada nota.
Aquele sopro solitário no céu nublado. De repente, uma chuva faz subir do chão o mormaço. Tão Recifense, este cenário!
O músico solitário repetia a melodia... e meu desalento o acompanhava. O bloco solitário.
Uma melancolia batendo à minha porta. Uma coisa fora do lugar... Nesta pandemia eu me virei do avesso. Me reinventei. Estudei. Cuidei de mim e dos meus. Driblei aniversário, tirei de letra as festas mascaradas de final de ano. Mas não estou conseguindo metabolizar a saudade do carnaval.
O ritual sagrado da festa profana. O ambiente de congraçamento, de confraternização. A licença poética de ser quem quiser.
Eu dizia sempre: este ano não vou brincar. Já era tradição. Na família, já era graça. Aí, um dia, tirava do armário a mala de fantasias, “pra tirar o mofo”. E vinha a primeira prévia... e como eu já não ia brincar, era melhor aproveitar! E me esbaldava, e fazia que nem visita indesejada: ia ficando. Ia pulando. Ia me embriagando na cachaça do passo, na beleza do brilho. Pulava do frevo pro maracatu. Acordava caboclinho, dormia baque solto.
A festa começava como quem não quer nada.... aquela coisa que entra na cabeça, depois toma o corpo e acaba no pé.
O carnaval sempre foi a festa mais importante do meu calendário.
Racionalmente, sei que não podemos ter a folia em 2021. Eu defendo que a gente precisa ficar em casa.
Mas como carnaval não é nada racional, a alma... ah... esta alma foliã está amofinada. Amuada e arretada. Vai ser o jeito segurar firme o sonho pela mão e levar ele direitinho até 2022.
Dessa vez eu quero brincar e não tem carnaval. A minha fantasia mais inesperada.
Fico em casa imaginando no próximo ano o tanto de gente vai sair de coronavac, de Butantã, confinamento, de vírus... de super imunizada!!!!
Chego a sentir o calor do mormaço subindo pelos pés enquanto eu subo a misericórdia com o sol pelando de quente.
Chego a rir sozinha quase antevendo a folia temporã.
E quando finalmente eu abrir novamente a caixa de maquiagem, desembrulhar o sem fim de brilhos e a coleção sem noção de adereços, vou inventar uma fantasia sem nome. Vou vestir o melhor delírio e me enfronhar ruas afora.
Viver intensamente a democracia republicana do reinado de momo. Minha contradição. Meu melhor sonho. Meu carnaval.
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