terça-feira, 27 de maio de 2008

Dorme, anjo.....



Ele sempre a embalava nas noites quentes, nas noites frias, nas noites chuvosas.
Chegava manso, abraçava a menina com afeto. Suas histórias tinham personagens fantásticos. Tinham lições de vida e feitos heróicos. Embalava então a menina e, ao final, invariavelmente ouvia o pedido: canta aquela música.
Ele, às vezes já cochilando, cansado do dia da repartição pública, deitava-se do lado do colchão e entoava a canção de ninar num ritmo lento, quase compassado com as pálpebras infantis, que, teimosas, faziam esforço para se manter abertas.
Algumas vezes a menina via o pai dormindo e na crueldade infantil o acordava:
- Falta a parte do boi da cara preta, pai!
Ele se ajeitava e terminava a missão. Aí a menina se entregava. Ele então pegava o lençol dela e “mumificava” a criança. Ela adorava.
Dormia se sentindo amada.
Anos se passaram. Décadas marcadas no calendário.
Um dia, ela ouviu a música que ele cantava no rádio. Aumentou o som. E descobriu que aquela música ninara muitas filhas nas vozes de seus pais.
Sentiu todo aquele sentimento infantil novamente. Cantou pra seus filhos o hino a cada noite, embalando-os como seu pai fizera.
Hoje eles são adultos, os dois.
E ainda se embalam. Encantam-se com suas histórias, emocionam-se com suas vidas
Riem, choram, brincam de viver.

segunda-feira, 19 de maio de 2008

Faltam flores e frutas no café




Faltam flores no café. Estão arrumadas as xícaras em desalinho. Detalhes de manchas de refeições passadas são sutilezas cromáticas.
Faltam frutas no café. O pardo pão decora a toalha. Delírios estéticos.
Faltam vozes no café. Resta a monotonia. O cântico lerdo do vento à distância e a cadeira vazia à frente.
A vida dela, a quantas anda!
Resquícios de imagens, pessoas, experiências.
As mãos indecisas repetem como máquinas as ações de todo dia.
A faca rasga o pão.
A faca passa manteiga.
A faca cega.
Chega a se distrair com o barulho que o maxilar faz ao triturar o pão. O som da solidão. Quando as cadeiras tinham vida, tinham donos, e ela se aborrecia com a briga das crianças, com a balbúrdia na mesa, não ouvia aquele som.
Isso é solidão. Deve ser.
Melhor ouvir uma música.
Melhor sair dali.
Faltam flores e frutas.
Mas, em poucos dias morrerão as pétalas.
Em algum tempo as frutas murcharão.
Deixa assim.
Faltam flores e frutas no café.

segunda-feira, 12 de maio de 2008

Falta de amor

"Alguém - seu pai ou o meu - deveria ter dito que não foram muitas as pessoas que morreram de amor.
Mas multidões inteiras estão morrendo a toda hora e nos lugares mais esquisitos por falta de amor."
(James Baldwin)

segunda-feira, 5 de maio de 2008

Nelson Ferreira toque aquela introdução!

Aurora, Praia, Sol, União, Harmonia, Angustura, Amizade, Saudade, Alegria, Glória, Hora, Calçadas. Eu vim de um lugar onde as ruas tinham estes nomes.
E em cada um destes endereços eu vivi. Passei por suas expressões poéticas escritas em placas azuis. Nas esquinas de poeira, à beira do rio fétido, contemplava minha cidade. Cresci e vi outros crescerem.
Do rio, eu via o mar e o mangue nas encostas. O oceano imenso que aprendi a enxergar na linha da visão.
Gostava também dos nomes dos bairros. Uns com nomes de mulher: Madalena. Outros, com nomes de árvores frondosas: Espinheiro, Jaqueira. Tantos outros levavam na alcunha referência a antigos engenhos: Casa Forte, Caxangá, Casa Amarela, Engenho Novo. Aflitos, Torre, Encruzilhada, Brejo. Gostava de imaginar de onde veio o Paisandu, como surgiu a Ilha do Leite, como batizaram o Pina.
Hoje, morando em novas paragens, sinto falta dos amigos, sinto falta do labirinto da minha cidade. Mas morro, morro de saudade mesmo é dos nomes dos lugares.
O bicho da nostalgia encontrou em mim morada. Mas na minha teimosia, sinto também um comichão que me impulsiona para novos lugares, novas terras. E sem este dom aventureiro, vou ficando triste. Não sou nômade, porém. Minha cidade está no mapa.
Entendo agora o frevo de Antônio Maria, que nos carnavais, minhas fantasias, eu cantava me emocionando: “Sou do Recife com orgulho e com saudade. Sou do Recife com vontade de chorar”. Desculpa, Antônio. Até hoje eu achava que a tua poesia era alegoria.

Horizonte

 Pausar.  Simples e necessário! Tempo restaurador. Arrumar as gavetas da cabeça, acariciar a alma, alentar as dores, afagar os prazeres. Fec...