sexta-feira, 31 de outubro de 2008
Fortes são eles
São sete da manhã e a poeira vermelha incensa a W3.
A piaçava arranha o asfalto. São mãos calejadas conduzindo aquele balé medíocre. Paro no sinal vermelho para ver o espetáculo.Tudo perfeitamente orquestrado.
O sol ainda se levanta. A fumaça preta que sai dos ônibus é a aurora destas bandas. Não vejo o orvalho.
Nem mesmo as roupas já gastas, sujas, escuras e remendadas aqui e ali ofuscam a sua autoridade. É a sua casa. A árida W3 é seu lar. Os canteiros são jardins vistosos que abrigam revoadas de pombos. Sua sala, marquises velhas de concreto. Talvez os semáforos sejam luminárias finamente alinhadas para embelezar o ambiente.
Após o trabalho de limpeza matinal, senta-se no jardim dos pombos e desenha. Não importa se os papelões vieram do lixo. Se seu lápis é um caco de carvão enjeitado pelo fogo.
Suas imagens toscas viram raios curvos, pontos de fuga. Reprodução de seu mundo particular. Absorto em suas viagens, ele nunca percebeu minha curiosidade.
Passo com meu carro todo dia e pertenço àquele universo. Uma anônima observadora. Uma coitada que todos os dias serve-se à mesa, espera o sinal de trânsito orientar suas partidas, voltando sempre ao apartamento cuja a porta está trancada.
Na sua rotina fiel, imagino, meu personagem é feliz. Seu mundo, à imagem e semelhança de seus devaneios divergentes, parece-me em paz.
E que coragem! Ter a mente insana numa cidade cartesiana. Na estética parnasiana, ele exerce o dadaísmo. Encontra nas retas paralelas e perpendiculares os becos que não vejo. Assume brechas de sua consciência entalhando seus sonhos do outro mundo.
Os carros seguem sua sina. O eixo é o rumo que dá no norte e no sul.
Fortes são os loucos. Fortes o bastante para subverter a rotina imposta pelo Plano Piloto.
segunda-feira, 27 de outubro de 2008
Entresafra
Não tem chovido muito na minha horta
Não tenho conseguido abrir os sulcos da imaginação.
Minhas palavras são reincidentes
Minhas idéias velhas não deixam as novas entrarem.
Não tenho conseguido abrir os sulcos da imaginação.
Minhas palavras são reincidentes
Minhas idéias velhas não deixam as novas entrarem.
quarta-feira, 22 de outubro de 2008
Coração de mãe
Coração de mãe
Não é um jardim florido
Não é o paraíso
Nem cenário para se perecer.
Coração de mãe
Abriga os sonhos
Aninha as lágrimas
Coração de mãe
Não é só um músculo forte
Que bate e vela a vida.
É um espaço sereno
De dimensões imensas
Maior do que o corpo
Capaz de abrigar muitas almas.
Coração de mãe cresce o tempo todo.
E também fica pequenino.
Coração de mãe começa a existir sem saber
E nunca, nunca deixa de ser!
(Para Ana Luiza, personificação do amor, com inspiração nos versinhos de pé quebrado do Menino Maluquinho!)
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