Acordei sentindo o corpo todo meio dormente, meio vibrando.
Um sono absolutamente profundo, Um despertar lento,
relutante.
Aliás, a palavra é relutante.
Lutei muitas vezes. Insisti em perder.
Relutei por anos em aceitar. Acolher. Refusei oportunidades,
me escondi atrás de tantos fantasmas. Meus esconderijos quase perfeitos.
Eu, minha principal algoz, dando voz a todos os comentários.
Vestia a fantasia alheia e dela me apossava.
Capaz de criar tantas realidades, desci dos meus palcos, apaguei as luzes e me fechei no camarim. As cortinas seguiram abertas, sinalização para saída de emergência, fuga tragicamente planejada.
Mas, por maior que seja o bunker, um dia há que se abrir a
porta e buscar água, comida, ajuda. Por mais perfeito que seja o disfarce, em
algum momento a maquiagem borra, o chapéu voa, a máscara cai.
Foram muitos os passos. Primeiro, em círculos infundados,
encontrando desculpas vazias baseadas num sentimento em nada parecido, mas
denominado de amor. Depois, muito depois, novos caminhos titubeantes, cambaleantes,
trôpegos.
Reabilitação para a vida.
Reaprendi a respirar, a nadar nas minhas águas turvas e
bravas, a amar o que é meu. Uma passagem nem sempre linear.
Eis que hoje eu acordo sentindo diferente. Acolhendo meus
prazeres, reivindicando minha memória, reconstruindo minha história. Eu não sou
o desenho do passado. Eu não sou o decalque das décadas nostálgicas.
Bordo com palavras meus novos sonhos. Faço e refaço pontos
que eu mesma criei. Misturo as cores que me aprazem. Acalmo minha pressa de
viver, alimento a fome de ser.
Não me incomoda reciclar, reutilizar ou repaginar
sentimentos. Não tenho a avidez capitalista do novo, do exclusivo, do todo meu.
Vou trazendo na bagagem o que ainda me apraz. Carregando o peso que posso levar
sozinha.
Aliás, esta foi a lição mais difícil de aprender. Fazer a mala para aquela viagem e só levar o necessário. Passei a fazer o exercício do minimalista. Experimentar o pequeno como se fosse o fundamental.
O escasso, sem
restrição.
Divagando e brincando com as palavras, me dou conta que
ainda estou deitada, respeitando o ritmo do meu despertar.
Quase tarde, mas ainda manhã.
Há tempo para celebrar o
domingo.
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