terça-feira, 16 de dezembro de 2008
o luto dos peixes
- Diga tudo, menos isso!!!!!
Assim começou nossa primavera em Paris.
Uma campainha tocou e uns minutinhos depois ouvi Rinaldo repetir:
- Diga tudo menos isso, cara!!!!!
Era semana santa. Uns 11 amigos decidiram aplacar nossa saudade do Brasil. Estávamos morando em Saint Denis, cidade pertinho de Paris. A gente morava com os dois meninos num apartamento que não tinha mais de 50 metros quadrados. Mas a vontade de ver todo mundo era maior. E a gente teve sorte. Os vizinhos tinham vindo ao Brasil passar férias. E não eram quaisquer vizinhos. Eram minha prima-irmã e o marido dela. Gente que nos acolheu quando chegamos na cidade luz. Eles nos cederam o apartamento de dois quartos, banheiro cozinha e sala pra acomodar nossa trupe visitante.
A porta continuava aberta. A esta altura, toda a população do apartamento “1” se aglomerava na porta principal para saber o que estava acontecendo. Eram duas adolescentes brasileiras (minha irmã e uma amiga), um casal ítalo-brasileiro, mais dois amigos e a filha que estavam morando em Londres, dois grandes amigos com a filhinha do Recife, sem contar o filho mais velho dela que era brasileiro e morava em Milão.
As refeições eram monumentais! Nossos passeios, divertidíssimos, sempre acompanhados de dúzias de sanduíches. A primavera de Paris tinha cores a mais. Entrávamos no metrô juntos, íamos ao supermercado em bando. Tudo muito familiar. Tudo muito legal.
Na primeira noite, arrumamos todos em seus colchões, beliches, colchonetes. O casal de Recife e os dois filhos foram pro apartamento da minha prima, porta com porta. Decidimos que não usaríamos a cozinha, pra não mexer em nada.
Instruímos o pessoal a alimentar os peixes vermelhos (Reco-reco e Bolão). Azeitona tinha morrido uns meses atrás. O aquário ficava no quarto do casal. Eu sabia que os peixes eram de estimação.
Pois eis que nosso amigo do apê ao lado estava justamente nos informando a morte de Bolão.
- Diga tudo menos isso, por favor!!!! Rinaldo foi entrando no apartamento vizinho e uma romaria o acompanhava. O peixe jazia no congelador.
Eles contaram que estavam os dois deitados na cama de casal quando perceberam que um dos peixes, o Bolão, estava meio estranho. Ele, digamos, estava relaxado demais.
- E agora? Compramos outro igual pra deixar no lugar?
- De jeito nenhum, cara! São de estimação!
Coube a mim dar a notícia fúnebre.
Liguei pro Brasil, onde o verão em Fortaleza devia estar fervendo.
- Alô, Paulinha? Tenho uma notícia pra te dar. Qual?
- ..... O peixe subiu no telhado....
- .... Silêncio
- Paulinha????
- Mana, deixa que eu dou a notícia pra ele.
Uns minutos depois o telefone toca. Rinaldo recebe as instruções. Foi na jardineira do banheiro, contou três dedos à esquerda do pé de cebola e “plantou” o peixinho.
Foi. Todo mundo constrangido.
Reco-reco sozinho no aquário não teve companhia pra aquela noite.
Nos apertamos todos num só apartamento pra dormir.
Há que se respeitar o luto dos peixes também.
quinta-feira, 11 de dezembro de 2008
QUERIDO PAPAI NOEL....
O clima era típico de natal.
Num sábado à tarde, shoppings coalhados de gente, cartões de crédito dançando em máquinas alheias, a família resolveu fazer um lanche.
Gente, gente, gente. Na entrada principal encontraram logo uma praça super iluminada, cores piscando, cheinha de renas, árvores com folhas de borracha e cobertas de neve de isopor.Uma fila circundava a pracinha de plástico. E ao final dela, Papai Noel, sentado numa poltrona vermelha e dourada, recebia os pequeninos.
De um lado, o filho mais velho, que não contava mais que seis anos, mas era muito espevitado, balançava seus cabelinhos de milho dourado e dizia:
-Papai Noel não existe! É um homem vestido feito uma fantasia de carnaval.
Com a mão firme à da mãe, o pequeno, que tinha uns 3 anos, nem pestanejou:
- Existe sim, né, mãe??
Instalou-se a polêmica. A mãe olhava pra os cílios grandes e os olhos redondos do caçula, ávido que a verdade fosse esclarecida... ao mesmo tempo, sabia que seu mais velho tinha convicção de que tudo não passava de uma brincadeira.
Pensou rápido. E arriscou:
- Filho, Papai Noel existe pra quem acredita nele.
Silêncio entre os três.
Mas a mente inquieta do mais velho disparou:
- Quero sair da fila!
Incontinenti, pegou a mão do pai e arrastou. Estes gestos decididos eram a sua marca.
A mãe ficou com o pequenino naquela fila lenta, lenta....
O menino não largou a sua mão em nenhum momento, e às vezes soltava uma frase do tipo:
- Ele não existe, mas eu quero ficar aqui.
Até que chegou a vez do menino de olhos pretos encontrar-se com o Bom Velhinho.
E o Papai Noel escondido na barba branca impecável, abriu logo um sorriso... para a mãe!
-Germana, há quanto tempo!
E o menino, indignado:
- Mamãe, você conhece Papai Noel e não me disse nada???????
..........
A mãe muda, sorria meio sem graça.
Com a mãozinha em concha escondendo a boca, o menino foi ao ouvido do homem para fazer-lhe uma confidência. Afinal estavam entre amigos.
- Olha, Papai Noel, eu tenho um irmão deste tamanho (disse se esticando todo pra cima) que não acredita em você não. Mas mande um presentinho pra ele mesmo assim, viu?
O Papai Noel, que tinha amizade com a mãe desde a época em que ela tinha arriscado a carreira de atriz de teatro, encheu-se de emoção. Com o menino já muito bem acomodado no colo, chamou o fotógrafo. Pediu um tempo para enxugar as lágrimas e disse ao pequeno:
- Esta foto eu mesmo vou mandar pelo correio pra sua casa, certo?
O pequeno estava feliz, realizado. Saiu de lá sabendo que não poderia revelar o segredo ao seu irmão mais velho, tão desejoso por entrar no mundo real e participar da vida dos adultos.
Mas que Papai Noel existe... ah... isso existe!
quarta-feira, 3 de dezembro de 2008
cola e chuva
Tinha um menino no sinal cheirando cola e imitando a Xuxa.
Ele cantava as músicas da loura milionária e as pessoas riam.
Chovia cântaros. Estávamos espremidos no abrigo da parada de ônibus.
As pessoas continuavam rindo daquela criança de mãos sujas.
Animado, o pequeno dizia: agora vou cantar Daniel. E entoava bem afinado o canto sertanejo-romântico. E as pessoas achavam mais graça. O cheiro da cola foi ficando forte.
O menino não era filho de ninguém. Nem sobrinho. Nem afilhado.
As pessoas continuavam rindo, mas todas de costas pra ele.
Se fosse meu filho, eu choraria.
Os ônibus passavam levantando água. E as pessoas ( são pessoas mesmo?!!) se espremiam mais ainda nos limites cobertos da parada.
Dei a mão sem saber pra onde o coletivo me levaria. Entrei e não perguntei nada a ninguém. Esperei um canto mais seguro pra descer.
Fugi da falta de amor e sensibilidade de tanta gente.
Fugi da minha covardia, mas ela veio comigo.
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