O vapor emerge do cimento, regula a velocidade dos gestos, retarda os movimentos. Por fora, tudo se desmancha em suor. O brilho da pele engordurada cintila. Altera os sentidos.
A vida passa lenta, vaga, imensa dentro daquelas horas de verão.
Longe da brisa do litoral, o que se vê é a agonia. As roupas que desfilam pregadas nos corpos pelas ruas, os corpos que imaginam desfilar livres dos algodões, sedas, popelines....
Pelos poros são expulsas todas as toxinas, mas também o cheiro forte da cerveja, a cachaça pouco degustada, tudo se esvai com o calor.
O tempo esquenta, parece que vai chover. Dentro dos ônibus, braços e pernas se tocam e parecem grudar uns nos outros. Braços e pernas. Por entre as saias, filetes escorrem lânguidos, insistentes.
Ela passa as mãos pelo rosto, sente uma ardência infeliz. Numa sensação de torpor, misturando um sono quase incontrolável a uma irritação aparente, ela levanta-se, pede parada. Desce no centro da cidade e caminha. Faz um traçado já automático, robótico. Não olha mais as pichações nas ruas, os pedintes imundos que fazem ponto sempre no mesmo lugar, o cartaz daquele cinema que está caindo aos pedaços.... nada. Ela não vê nada. Caminha como se pertencesse a um mundo isento de som e de luz.
Por dentro, trovões, tempestades. Repete lentamente pela enésima vez as palavras que ouvira. Busca outra significação. Ouve novamente dentro da cabeça aquele diálogo. E imagina como se libertar. Tudo denso. Denso como se uma faca pudesse cortar uma fatia.
Ah, se pudesse! Cortaria aquela fatia que dói, a da culpa.
Os cabelos agora pesam, ela os prende acima da cabeça. Alguns fios, já molhados, descem pelo rosto.
O amor. Todo mundo diz que o amor é fundamental. Que sem ele não se vive, nem se sobrevive.
O amor como um sentimento que alimenta. Um complexo vitamínico, um suplemento que chega para salvar a vida.
Ela não aceitou na receita.
Passou do ponto, mexeu demais..
O coração batendo forte, ela impassível. Segura a bolsa firme com a mão direita, sobe as escadas, pega a chave no bolso da frente, abre o primeiro cadeado. Depois, o segundo, a grade e por fim a porta de entrada. Guarda as chaves no mesmo lugar, fecha o zíper. Sempre no mesmo bolso, da mesma bolsa.
Da mesma bolsa que combina com os sapatos pretos. “Sapatos pretos, bolsas pretas”, pensava ela.
Mas, na vida, a combinação foi outra. Foi como se ela tivesse calçado sapatos listrados em preto e branco e escolhido uma bolsa colorida, estampada, pra acompanhar. Na vida, ela não tinha tanto método assim.
As palavras dele ainda ecoavam na sua cabeça. Difícil findar uma história que ainda não acabou. Difícil escrever o ponto final no meio da frase, quando se está com a voz no alto, a boca ainda aberta.
Ela senta. Fica estática. A vida deve ser assim mesmo. Uma sucessão de insucessos. Até chegar ao fim. Onde é o fim? Quem dá o fim? E depois do fim?
Recolhe as correspondências, organiza os jornais, lê as manchetes sem vontade.
E depois.....
Depois é um longo vácuo, uma romaria sem santo, sem igreja e sem fé.
quarta-feira, 24 de junho de 2009
terça-feira, 16 de junho de 2009
O céu daqui
Queridos amigos de longe,
Por aqui, já consigo deixar no pendura uma escova que faço no cabelo, ou o trabalho da manicure.
Também já recebo alguns sorrisos da moça que é caixa na padaria.
O motorista do ônibus de manhã já abre a porta na parada com um sonoro Bom Dia.
O japonês da mercearia na quadra de baixo não me deixa mais pegar peso. Sempre me ajuda com as compras da semana.
Bom sinal, não?
No início, estas mesmas caras eram tão impessoais que às vezes eu brincava de estar morando numa terra de andróides. Era a minha fantasia pra não entrar em parafuso.
Mas não é isso não, meus amigos. Com o tempo eu fui compreendendo.
É que este povo que veio parar aqui, na sua maioria, tem suas raízes longe, longe e devem ter aprendido a se defender do preconceito fechando a cara. A cabeleireira é do Cariri cearense. A manicure veio do Piauí. O motorista de ônibus veio do Norte. O japonês da mercearia, obviamente, veio do Japão.
O céu daqui é mesmo de um azul especial como dizem.
Eu me sinto contemplada com o por do sol que enrubesce as nuvens lá pelas cinco da tarde.
A lua cheia parece maior e mais viva neste Planalto. Penso que ela é mais feliz aqui por não competir com uma profusão de arranha-céus.
Mas não mudei, acreditem. Ainda adoro barulho de gente dentro de casa, gosto de acordar cedo e tomar café da manhã com os meninos. Eles é que têm acordado cada vez mais tarde....
No bar preferido, um árabe tradicional daqui, quando passamos muito tempo sem aparecer, o garçom ( que é de Sobral, no Ceará) pergunta:
-Estavam passando uns tempos na terrinha????
É isso.
Espero vocês todos por aqui.
Se tem uma coisa que falta nesta terra são meus amigos.
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