Quero ocupar o que é meu. Quero invadir minha propriedade
privada.
Viver no lugar que eu comprei, reformei, pintei, sonhei.
Só que a cada dia fica mais difícil.
Um dia fui vítima de um assalto. Na delegacia levei uma
bronca.
“Também, como é que se compra uma casa ali?”
Pronto.
Tinha um ladrão no meio do caminho. No meio do caminho,
tinha um ladrão.
Ou será que neste caso a pedra sou eu?
Já cansei de passar de carro, a pé, de noite, de dia,
feriado, dia santo na frente da casa.
De noite sonho com ela.
O mezanino de madeira da melhor qualidade que a gente
construiu pra ser o ateliê. Na seqüência dele vem uma varanda.
Lá atrás me espera o Pau Brasil que eu plantei. Já
florou, até.
Mas não se mora lá.
Sonho onde estará a mesa do jantar, em tomar café da manhã
no alpendre.
Tem gente que me olha atravessado. Nem precisa falar o que
pensa. Já sei, já sei.
Endoidei.
Devem pensar igual ao tal policial....
Eu na verdade acredito na transformação.
Da rua, das pessoas. Mas não na transformação ingênua,
infantil.
Hoje acho que a única saída para o centro do Recife são as
pessoas. Por que se for depender do tal Poder Público, o casario vai apodrecer.
E as pessoas vão virar lixo.
Outro dia falei pra uma amiga e quase fui linchada.
É que sei que é relevante fazer um movimento, chamar a
imprensa, mobilizar toda a população. Mas aí, depois, cada um bota sua violinha
no saco e volta pro bairro de classe média alta.
Com sua delegacia. Seu elevador, no seu carro com ar
condicionado, de preferência com os vidros fechados.
E não me isento de nada. Hoje faço exatamente isso. Moro em
um desses bairros de classe média também. Moro. Mas não gostaria de morar.
Me agonia o barulho, os prédios cada vez mais altos, todos
com sauna, piscina, espaço gourmet, salão de festas, porteiro eletrônico e
quartos minúsculos, banheiros reversíveis. Não gosto da moradia funcional.
Me agradam o pé direito alto, as janelas grandes, a
generosidade das varandas das casas antigas.
Aliás, tenho a mania de andar a pé. Conheço bem as calçadas,
os esgotos e os trombadinhas do meu bairro.
Andei levando umas carreiras de uns meninos que usam crack
no caminho do meu trabalho.
Se o Recife não tomar conta do seu Marco
Zero, da sua Boa Vista, do São José, Santo Amaro.... Sei lá... acho que nem os marginais
vão quere ficar.
Escrever sobre isso é tentar um diálogo.
Sei bem que meus argumentos são como a música do vento.
Falo
de um sonho. Falo pra tomar coragem.
Quero agora conhecer o universo da Glória.
Número 310.