domingo, 20 de maio de 2012

Ninguém podia entrar nela não


Quero ocupar o que é meu. Quero invadir minha propriedade privada.
Viver no lugar que eu comprei, reformei, pintei, sonhei.
Só que a cada dia fica mais difícil.
Um dia fui vítima de um assalto. Na delegacia levei uma bronca.
“Também, como é que se compra uma casa ali?”
Pronto.
Tinha um ladrão no meio do caminho. No meio do caminho, tinha um ladrão.
Ou será que neste caso a pedra sou eu?
Já cansei de passar de carro, a pé, de noite, de dia, feriado, dia santo na frente da casa.
De noite sonho com ela.
O mezanino de madeira da melhor qualidade que a gente construiu pra ser o ateliê. Na seqüência dele vem uma varanda.
Lá atrás me espera o Pau Brasil que eu plantei. Já florou, até.
Mas não se mora lá.
Sonho onde estará a mesa do jantar, em tomar café da manhã no alpendre.
Tem gente que me olha atravessado. Nem precisa falar o que pensa. Já sei, já sei.
Endoidei.
Devem pensar igual ao tal policial....
Eu na verdade acredito na transformação.
Da rua, das pessoas. Mas não na transformação ingênua, infantil.
Hoje acho que a única saída para o centro do Recife são as pessoas. Por que se for depender do tal Poder Público, o casario vai apodrecer. E as pessoas vão virar lixo.
Outro dia falei pra uma amiga e quase fui linchada.
É que sei que é relevante fazer um movimento, chamar a imprensa, mobilizar toda a população. Mas aí, depois, cada um bota sua violinha no saco e volta pro bairro de classe média alta.
Com sua delegacia. Seu elevador, no seu carro com ar condicionado, de preferência com os vidros fechados.
E não me isento de nada. Hoje faço exatamente isso. Moro em um desses bairros de classe média também. Moro. Mas não gostaria de morar.
Me agonia o barulho, os prédios cada vez mais altos, todos com sauna, piscina, espaço gourmet, salão de festas, porteiro eletrônico e quartos minúsculos, banheiros reversíveis. Não gosto da moradia funcional.
Me agradam o pé direito alto, as janelas grandes, a generosidade das varandas das casas antigas.
Aliás, tenho a mania de andar a pé. Conheço bem as calçadas, os esgotos e os trombadinhas do meu bairro.
Andei levando umas carreiras de uns meninos que usam crack no caminho do meu trabalho.
Se o Recife não tomar conta do seu Marco Zero, da sua Boa Vista, do São José, Santo Amaro.... Sei lá... acho que nem os marginais vão quere ficar.
Escrever sobre isso é tentar um diálogo.
Sei bem que meus argumentos são como a música do vento. 
Falo de um sonho. Falo pra tomar coragem.
Quero agora conhecer o universo da Glória.
Número 310.

segunda-feira, 14 de maio de 2012

A parede



Escolhi uma parede de fotos antigas, com uma cor rosinha no fundo.

Escolhi a primeira cristaleira que eu comprei na vida, na rua da Conceição - e finjo só pra mim que é herança - pra guardar minhas xicrinhas desgarradas e antigas.

Uns santos, umas fotos avulsas, o casamento da sogra, a foto dos avós.

No fundo, no espelho, dá pra ver meu vestido verde esperança que eu escolhi pra usar no dia das mães este ano. O sofá azul natiê me caiu muito bem também. Compôs, diriam os diretores de arte.

Compôs, mas não reverberou. O dia acabou no meio, abafado pela locução do futebol.

Ninguém viu o vestido. Ninguém, não. somente duas pessoas me interessavam naquele dia. As duas que me fazem mãe.

Mas a paixão falou mais alto. Eles tentaram esconder, só que sou mais experiente pelo menos. Paixão não se esconde, crianças. E eu, mãe de primeira viagem nos assuntos de filhos adultos, me perdi no meio. No meio do almoço, no meio do dia, no meio do meu dia.

Fui ficando pionga, fui me escondendo atrás da cristaleira. Quem dera o espelho me sugasse no seu mistério.

Fiquei eu e a parede de fotos antigas. A casa vazia, silenciosa em pleno domingo de tarde.

Os rapazes ruidosos gritavam em outros lugares.

Pois bem, eu e a parede.

Um dia eu estarei ali, pendurada na parede. Só saudade.

Horizonte

 Pausar.  Simples e necessário! Tempo restaurador. Arrumar as gavetas da cabeça, acariciar a alma, alentar as dores, afagar os prazeres. Fec...