terça-feira, 13 de março de 2018

Carta ao filho caçula, adulto


Filho,
Faz algumas noites que sonho com você. Um sonho tranquilo, de ressignificação, de repactuação. Um sonho que se repete. O sonho nada mais é do que nosso retrato inconsciente, o subconsciente mandando recados, sinais.
Pois bem. Este sonho repetitivo começa com você pequeno, uns 3 anos. Entro no seu quarto e tem uma fila de carrinhos pelo chão. Me ofereço pra brincar e você me responde: “Já tô brincando, né, mãe?” Esta cena é a reprodução do que realmente acontecia. O sonho me fez lembrar a cena. No sonho, eu saio de fininho pra não te atrapalhar, achando tão, tão bonito essa tua independência. Na vida real, eu te olhava e saia de mansinho também.
No sonho, “corta” pra uma cena de você grande, tocando no palco, no seu mundo.... e eu venho entendendo que são outros sonhos e que de alguma forma, você quer brincar esta brincadeira sozinho.
Este sonho tem me levado a um lugar muito, muito profundo, Luís. Um lugar que me faz constantemente a pergunta: será que fui uma mãe à sua altura? Será que, como mãe, eu fui competente o suficiente pra te amparar? Será que todo o amor que eu sinto (e que é imenso), eu consegui traduzir em atos e exemplos pra você?
Este amor, meu filho, só cresce, em admiração, em desejo de troca.
Depois da terceira vez que sonhei, decidi escrever este texto. Uma carta ao meu filho adulto. Uma carta ao caçula, que certamente teve dificuldade de crescer e se libertar das amarras da maternidade.
Hoje, eu, que fui sua mãe tão nova, tão cedo, percebo que temos um grande caminho pela frente. Quero estar do seu lado na sua vida, mas não mais na sua frente. Quero ser escada, trampolim, quero ser coadjuvante, não mais a principal.
A vida, meu filho, está nas suas mãos. As luzes da minha ribalta começam a amainar. A maturidade nos traz um desejo de paz.
Você tem a estrada iluminada pela frente. Com todas as lutas, conquistas e histórias a construir.
Cuide dos que você ama, mas sobretudo, cuide de você.
Eu estarei sempre no mesmo lugar. Braços abertos. Mãos solícitas e um desejo imenso de contribuir e ser figurante no teu protagonismo.
Se um dia você sentir vontade, podemos conversar pessoalmente. Se um dia você sentir vontade, podemos apenas nos olhar.
Não precisa responder a esta mensagem, se não quiser. Apenas escrevi porque acho que dificilmente eu conseguiria te contar tudo isso falando, porque a fala é sempre pra mim mais subjetiva que a escrita.
Mas voltando ao sonho, sempre acordo dele com um sentimento lindo de mansidão, de paz e de amor. Espero ter refletido este sentimento aqui.
Espero, para além do sonho, a realização dele.
Beijo.

domingo, 4 de março de 2018

#eufeminista

Era uma opinião. Era uma expressão, calcada na minha convicção de vida. Ancorada nos desalentos e desdenhos vividos em inúmeros, diversos momentos. Cada momento tem seu tempo.  Alguns são átimos. Outros, segundos, dias, noites longas, beijos curtos.

Tudo constrói o hoje. O amanhã é o agora que ainda não chegou.  Foco no dia que vivo. E o dia era aquele.

Sentada na mesa, a taça de vinho no terceiro refil tinha minha marca: batom rosa nas bordas, beijos desiguais. Éramos seis a  brindar.

Eu ando há uns anos me enfronhando pelas trilhas da feminina. Um roteiro subjetivo, impreciso e profundo. Não cheguei na rota decidida. Custo a definir, na verdade, como dei o primeiro passo. Talvez cansada de tanto abuso. Aos 11 anos, ja colecionava histórias que nunca podiam ser contadas nas rodas de amigos. Eram segredo, quase culpa dos meus olhos verdes. Endureci aos poucos, contrariando a minha natureza. Acabei vestindo o manto da responsabilidade que as vítimas não deveriam ter.

Voltando à mesa, num lapso de mais de 30 anos, me alegram as conversas, o direito à opinião, o exercício do diálogo. Do meu lugar de fala, do meu corpo posto na luta, exponho minha razão.  As mulheres na mesa se apressam e seguem para a cozinha com as travessas mexidas do almoço. 

Eu prefiro mexer nas feridas.  Falo como é dificil andar nas ruas. Que nossa luta é por ter a cidade, andar, pertencer. É ganhar o justo, trabalhar o certo.

Os homens na mesa nunca precisaram baixar a cabeça e sair da calçada porque tinham medo de assédio. Nenhum deles sabe o que
é ter medo da recente gravidez naquele ano que finalmente assinaram sua carteira.

Segui firme no debate, crente que estava na seara da palavra. Até que um deles, já sem argumento, blasfema: da próxima vez que vier aqui, vou me certificar da sua ausência.  Da cozinha, sua companheira salta: tais vendo que tem mulher pior que eu?

Entristeci.

As travessas mexidas da cozinha eram meu coração.

O silêncio.

E uma força me tomou. Endureci o peito. Engoli o choro. Ali era luta. Ergui a cabeça. Me abraçaram todas as companheiras que comigo   constroem.

Eu, que timidamente me intitulava militante. Eu, que sempre tive medo do microfone. Eu, que coleciono histórias de assédio no meu silêncio.

Dei um passo à frente. Não virei feminista assim, num estalar de dedos. Foi uma subida íngreme... muitos degraus.

Mas ali cheguei em algum lugar. Vista para o mundo que quero construir.

Eu, feminista. Eu, mãe. Eu, mulher.

Horizonte

 Pausar.  Simples e necessário! Tempo restaurador. Arrumar as gavetas da cabeça, acariciar a alma, alentar as dores, afagar os prazeres. Fec...