Tento aproveitar um momento de paz, ou de solidão, pra
escrever.
Devo ter meia hora, no máximo.
Estou aqui no trabalho. Calhou de estar sozinha na sala.
Lá longe ouço o barulho da reforma do elevador. Martelos, serras elétricas.
E, ainda assim, eu comecei este texto dizendo que estou em
paz.
Nos últimos dias a lua cheia pendurada no céu do Recife deve
ter mexido comigo.
Alternei entre marés muito altas e outras baixinhas.
Ressaca.
Fortes ondas de memória, ventos transformadores. Longas caminhadas.
Dizem que a lua conversa com as mulheres, assim como dita ordens
aos ventos.
Esta lua me trouxe lucidez.
Dessas avassaladoras. Dessas estruturantes. Dessas
desconcertantes.
Uma reforma interna, menos barulhenta do que a que eu ouço agora.
É preciso caber em si.
Um trabalho...
Sim! Um trabalho!
Eu sou este jogo que se monta e desmonta.
Que remonta e
desconstrói.
Tenho produzido novas peças.
Como quem faz um crochê, desenhando com linha e agulha figuras aleatórias.
Vou desenhando e desfazendo.
Alinhavando
Contando histórias, calejando os dedos, cada ponto, seu
lugar.
Lembro das minhas avós, mestras no crochê.
Elas faziam lindas roupas pra mim, pras bonecas, faziam colchas e redes.
Tudo a partir do fio e de uma agulha com ponta rombuda.
Quais pensamentos elas cosiam enquanto desenhavam com a
linha?
A precisão de fazer arte, de vestir e adornar, a partir de
quase nada.
É preciso caber em si.
O exercício é diário.
As luas minguam, crescem, novas.
Eu caminho pra dentro.
A reforma lá fora silenciou.
Deve ser a hora do almoço.