quarta-feira, 23 de julho de 2008

nano-sensações

Uma banana cortada ao meio parece uma perna amputada.
Cerro as pálpebras. Conto uns segundos.
E a imagem continua lá, imóvel.
De olhos fechados tudo parece ter movimento.
O vento seco talvez seja responsável por estas nano-alucinações.
A falta de oxigênio provoca pensamentos improváveis.....
E na frente do caderno eletrônico, página branca e teclas disponíveis, empaca o pensamento.
Pensar demais pode ser prejudicial. E quando as palavras ficam cercadas por outros valores, encarceradas no peito com medo de sair, tripudiam do hospedeiro.
Primeiro, impedem o sono.
Depois, incitam o pensamento. Fazem os neurônios correrem de um lado pro outro, tal qual cavalos cegos.
As palavras revoltadas então viram obsessão. São insistentes. Reincidentes.
Na manhã seguinte, de mau humor, experimente abrir a geladeira pra tirar o leite e dê de cara com a metade da banana que deixou na prateleira antes de dormir.
Ela vai parecer uma perna, um braço decepado. E o autor da mutilação foi você.
Súbito, feche a porta, apresse o café, coma alguma coisa e saia, de preferência, sem falar nada com ninguém.
O vento seco que sopra ainda frio entra pelos sete buracos da sua cabeça. E provoca aquela sensação entorpecente.....

segunda-feira, 14 de julho de 2008

Menina Moça

Na primeira consulta ao “doutor de adulto”, a menina tinha as mãos geladas.
Seu pai a acompanhava porque tinha preocupações. Ela tinha “reformado” muito cedo.
E ele tinha ouvido dizer que depois que fica moça, a menina não cresce mais.
Ela tinha pouco mais de um metro e meio....
Na sala de espera tudo era muito austero. Móveis de madeira sólida, cortinas com flores em tons pastel. As revistas para passar o tempo versavam sobre temas que ela sequer conseguia entender. Lá dos seus 13 anos, olhava somente as figuras e imaginava histórias.
O relógio não era bom parceiro. O ar parecia preguiçoso. Suas mãos quase pingavam de tanta ansiedade. Seu pai ao lado.
Lá pelas tantas chamaram seu nome. E ela deu de cara com um médico de faces marcadas pelo tempo. Os olhos mais sérios do que simpáticos a convidaram a entrar.
Nem uma palavra e ela foi encaminhada à ante sala do exame físico.
Deitou-se, ele a pediu para fechar os olhos. O pai ao lado.
E os exames foram feitos no escuro. A menina foi ficando cada vez mais confusa. No outro médico, quando criança, tão recente, não era assim.
Na hora de preencher a ficha de saúde, mais confusão.
- Seu nome completo?
Ela respondeu, explicando como se escrevia o nome do meio “com dois ‘c’ e ‘y’ no final.
- idade?
13
- doenças que já teve?
Hepatite, né pai????
- alergias?
Tenho rinite alérgica.... este clima daqui não ajuda..... (ela tentava quebrar o gelo).
O doutor continuava sua investigação.
-Ham..... você.... é........ já mudou de estado? (Desta vez ele falou sem tirar o olho do papel).
Ela, bem mais tranqüila: Não! Eu sempre morei em Pernambuco!!!!
Silêncio sepulcral.
A menina entendeu que algo tinha dado errado.
Seu pai a socorre: Filha, ele quer saber se você já é moça....
Ela responde: sou, sim...... e reza pra aquela consulta acabar logo.
Nunca mais pisou naquele consultório.

quarta-feira, 9 de julho de 2008

Conta gotas, a vida



Cinco gotas. Dois dedos de café.
Não precisa mexer.
Sete passos até o sofá.
Os pés arrastam-se pelo assoalho.
À frente da tv.
Range a poltrona.
Café forte demais.
A pantufa de tecido listrado vai polindo o chão.
Dez passos ao armário.
Geme a porta.
Três biscoitos.
Oito passos até a mesa.
Na cadeira está uma bolsa.
Quinze passos até o quarto.
A bolsa pendurada no cabide.
Passa lenta, lerda, pelo corredor.
O café ficou frio.
Aliás, morno.
Muito ruim.
Passos até a cozinha.
E as pernas teimam em não levantar os pés.
Dispensa o café na pia.
Cinco gotas. Dois dedos de café.
Não precisa mexer.
Cinco, ops, seis passos até o armário.
E a vida seca.
Os biscoitos esquecidos.
Mais uns passos idiotas para resgatá-los.
Tenta apressar-se.
É patético.
O café vai esfriar.
A TV ligada. Canal 7.
Range a poltrona.
Off.
Silêncio. Silêncio.
Silêncio sem eco.
Silêncio sem história pra contar.
Silêncio sem fertilizante.
Até o próximo passo....

quinta-feira, 3 de julho de 2008

Na parada de ônibus


Eu li Poliana. E Poliana Moça. E o pequeno príncipe. E Fernão Campelo Gaivota. E tudo o mais que parava na minha mão. Eu não lia somente. Relia, insistia, decorava, até.
E não fazia isso para recitar trechos ou discutir literatura com alguém. Os livros eram uma espécie de companhia. E eu os decorava para tê-los comigo quando eles não podiam estar. Foi assim com Clarice Lispector, Cecília Meireles, gibis da Mônica, Carlos Drummond....
Eu passava muito, muito tempo nos ônibus. Morava longe do centro e estudava no outro extremo da cidade. O meu enjôo nunca me deixou ler em um veículo em movimento. Restava a memória.
Eu relacionava as paisagens a trechos de música, batizava os bairros com poesias que me eram familiares. Criava um novo mapa, mais divertido, mais agradável, só para encurtar aquelas quase quatro horas diárias de deslocamento.
Até hoje gosto de pegar um ônibus e imaginar histórias, melodias, personagens.
Mas a história que vivemos é sempre a mais rica em detalhes. Tantos anos depois, ainda me pego fazendo jogos mentais na parada de ônibus. Imaginando histórias e recriando as passadas. Eis que agora me surge um parceiro nestas viagens emocionantes.
Eu pego o 32 para ir ao trabalho. Na minha espera na parada, o 23 inevitavelmente passa primeiro. E aí eu penso na coincidência da troca dos números.... que se desse na telha eu poderia mesmo pegar o ônibus errado.... que quanto mais eu espero, menos tempo falta pra minha condução chegar...
Um dia tentei explicar esta minha brincadeira pra uma amiga, ainda adolescente, mas ela me olho com uma expressão estranha. Então, nunca mais dividi com ninguém meus devaneios.
Inúmeras vezes tenho o ímpeto de sair da parada de ônibus e recorrer ao trajeto sem paisagem do metrô. Mas em 90% das vezes me rendo ao tempo que tenho comigo mesma. Um tempinho ínfimo, numa parada de ônibus árida....
Da última vez, peguei o 32 depois de esperar quase 35 minutos. Sono depois do almoço, meio irritada pela demora, subi no zebrinha e o motorista me diz rapidamente: “dobro à direita????” Eu respondi quase como um reflexo que sim, pode dobrar e depois fazer o retorno na L-2, como o 23, que estava na frente.
Era o primeiro dia do motorista na rota. Eu me diverti sendo uma recém-chegada à cidade e servindo de guia de motorista de ônibus!!!!! “ Vá sempre em frente, até a catedral.....”
Umas 10 quadras depois, sem cerimônia, chega meu primo e sobe no ônibus. Eu não acreditei! Parece bobagem, né, um primo subindo num ônibus... Mas não! Pense comigo: Moramos em cidades distintas a vida toda e de repente, morando há quatro meses na mesma capital, tomamos cafés, almoçamos, nos telefonamos.... e.... NOS ENCONTRAMOS NO ÔNIBUS!
Sentados lado a lado, tratamos de orientar o motorista. Ele imediatamente entrou na minha brincadeira infantil como se sempre, sempre tivesse participado dela. Eu nem tive medo que ele fizesse uma cara estranha.
Imaginamos roteiros diferentes para aquela viagem e os cumprimos. No destino ainda cumprimentei o motorista: “daqui pra frente te desejo boa sorte!”
Descemos juntos, colocamos os crachás, trocamos mais duas palavras e pronto. Cada um no seu computador. Não é segredo. Somos quase irmãos. Mas definitivamente, é preciso estar junto, rir lado a lado pra efetivar o que o sangue não deixa esquecer.

terça-feira, 1 de julho de 2008

De um lado deita-se o sol ardente
Do lado oposto jaz o vento frio que toma partido da sombra
O céu que quase cai sobre mim encontra uma mente inquieta
Fervente
E eu ainda não reconheço no horizonte a paisagem de casa
Mas sei bem os meus caminhos de aluguel
E enquanto ainda não os tenho
Não os comprarei
Como navegadores de séculos marítimos
Conquistarei minhas rotas
Não há sequer um ponto final
As vírgulas as aboli
Busco entender novas toadas
Encontrar minha lógica
Na desordem geográfica que se mostra em linhas precisas

Horizonte

 Pausar.  Simples e necessário! Tempo restaurador. Arrumar as gavetas da cabeça, acariciar a alma, alentar as dores, afagar os prazeres. Fec...