quinta-feira, 3 de julho de 2008

Na parada de ônibus


Eu li Poliana. E Poliana Moça. E o pequeno príncipe. E Fernão Campelo Gaivota. E tudo o mais que parava na minha mão. Eu não lia somente. Relia, insistia, decorava, até.
E não fazia isso para recitar trechos ou discutir literatura com alguém. Os livros eram uma espécie de companhia. E eu os decorava para tê-los comigo quando eles não podiam estar. Foi assim com Clarice Lispector, Cecília Meireles, gibis da Mônica, Carlos Drummond....
Eu passava muito, muito tempo nos ônibus. Morava longe do centro e estudava no outro extremo da cidade. O meu enjôo nunca me deixou ler em um veículo em movimento. Restava a memória.
Eu relacionava as paisagens a trechos de música, batizava os bairros com poesias que me eram familiares. Criava um novo mapa, mais divertido, mais agradável, só para encurtar aquelas quase quatro horas diárias de deslocamento.
Até hoje gosto de pegar um ônibus e imaginar histórias, melodias, personagens.
Mas a história que vivemos é sempre a mais rica em detalhes. Tantos anos depois, ainda me pego fazendo jogos mentais na parada de ônibus. Imaginando histórias e recriando as passadas. Eis que agora me surge um parceiro nestas viagens emocionantes.
Eu pego o 32 para ir ao trabalho. Na minha espera na parada, o 23 inevitavelmente passa primeiro. E aí eu penso na coincidência da troca dos números.... que se desse na telha eu poderia mesmo pegar o ônibus errado.... que quanto mais eu espero, menos tempo falta pra minha condução chegar...
Um dia tentei explicar esta minha brincadeira pra uma amiga, ainda adolescente, mas ela me olho com uma expressão estranha. Então, nunca mais dividi com ninguém meus devaneios.
Inúmeras vezes tenho o ímpeto de sair da parada de ônibus e recorrer ao trajeto sem paisagem do metrô. Mas em 90% das vezes me rendo ao tempo que tenho comigo mesma. Um tempinho ínfimo, numa parada de ônibus árida....
Da última vez, peguei o 32 depois de esperar quase 35 minutos. Sono depois do almoço, meio irritada pela demora, subi no zebrinha e o motorista me diz rapidamente: “dobro à direita????” Eu respondi quase como um reflexo que sim, pode dobrar e depois fazer o retorno na L-2, como o 23, que estava na frente.
Era o primeiro dia do motorista na rota. Eu me diverti sendo uma recém-chegada à cidade e servindo de guia de motorista de ônibus!!!!! “ Vá sempre em frente, até a catedral.....”
Umas 10 quadras depois, sem cerimônia, chega meu primo e sobe no ônibus. Eu não acreditei! Parece bobagem, né, um primo subindo num ônibus... Mas não! Pense comigo: Moramos em cidades distintas a vida toda e de repente, morando há quatro meses na mesma capital, tomamos cafés, almoçamos, nos telefonamos.... e.... NOS ENCONTRAMOS NO ÔNIBUS!
Sentados lado a lado, tratamos de orientar o motorista. Ele imediatamente entrou na minha brincadeira infantil como se sempre, sempre tivesse participado dela. Eu nem tive medo que ele fizesse uma cara estranha.
Imaginamos roteiros diferentes para aquela viagem e os cumprimos. No destino ainda cumprimentei o motorista: “daqui pra frente te desejo boa sorte!”
Descemos juntos, colocamos os crachás, trocamos mais duas palavras e pronto. Cada um no seu computador. Não é segredo. Somos quase irmãos. Mas definitivamente, é preciso estar junto, rir lado a lado pra efetivar o que o sangue não deixa esquecer.

8 comentários:

Dante Accioly disse...

Prima, isso não se faz! E agora? Como é que eu vou disfarçar esses olhos molhados aqui no trabalho? Hoje peguei o 32 de novo. Deixei o primeiro passar para ver se tu não vinha no próximo. Juro! :) Beijo muito grande. Teu primo.

Anônimo disse...

Ei! Olha a minha estréia nestas "páginas" lindas! Vim te visitar, ver como tu tá, chegar mais perto. Gê, como é bom gostar de tu.

Antonio Ximenes disse...

Eu tenho uma certa paixão por esse transporte tão democrático... "O Ônibus".

Ele nos proporciona momentos de divagação; filosofia; criação... que se estivéssemos guiando nosso próprio carro... não teríamos a chance.

Parabéns pelos laços de amizade e fraternidade.

Sempre é bom reforçar a importância do ato de... sentir.

Abração.

Germana Accioly disse...

= Dante, tudo não passou de uma vingança. fiquei choramingando primeiro aqui no gabinete! kkkkkkkkk.... brincadeirinha.... muitos 32 virão ainda!

= vivi, que coisa linda tu aqui! é muito bom ter você como amiga. Vem sempre por aqui me ver!

=Ximenes, é engraçado mesmo com o coletivo nos proporciona esta felicidade... e olha que muitas vezes eu pegava ônibus tão cheio que não tinha lugar pros dois pés!

Raiana disse...

Ônibus é um lugar propício para viajar nos próprios pensamentos!
Quando se encontra alguém com quem se possa compartilhá-los, melhor ainda! XD

Leonardo Werneck disse...

Todo mundo tem histórias de ônibus. Acontecem coisas hiláriase muitas outras acabamos conhecendo nosso próximo.

Germana Accioly disse...

=raiana, tenho ótimas histórias em ônibus! até já contei algumas aqui no blog.
= leo, concordo contigo. ônibus é um laboratório social. eheheheh.

Princess Deluxxe disse...

qdo será q vamos nos encontrar num ônibus? se bem q, pelo q pude perceber, vc vem da asa sul.
e eu, vou da asa norte.
":)
e parece q essa câmara é mesmo um mundo, já q a gente não se encontra nunca!
bjoss

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