- Alô?
- Oi mãe. Olha, ta tudo bem.
- Já sei que não.
- É que eu fui assaltado quando desci do ônibus.
- MEU DEUSSS!!!
- Calma, mãe. Tou ligando do telefone do policial.
- O QUE??????
- É que querem que eu vá pra delegacia.
-DELEGACIA???? VOCÊ TA ONDE?
- Na Praça do entroncamento.
- Tou indo praí.
...
É somente um menino, mas quando eu olho mesmo, com mais apuro, vejo a grandeza da sua alma.
Tanto, que às vezes nem da pra ver
além.
Menino de olhos naif.
Hoje outro menino com os olhos naif camuflados assaltou o
meu.
Roubou, sim, mas antes foi roubado. Teve a vida
roubada, teve a infância subtraída e agora tem a alma confiscada pela droga.
Me vejo ao lado do meu filho e quase quero que a mãe do
outro chegue pra ficar ao lado do camburão e confortá-lo.
Não quero ouvir aquele choro quase sem propriedade, perdido,
sem saber nem direito o que vai acontecer.
Olho pro camburão e vejo um desperdício. Poderia ser um
pianista. Um advogado. Um cientista. Um policial.
Mais é um menino assustado e com crise de abstinência. Treme,
o coitado. Pede socorro. Diz que precisa de tratamento. Clama.
Quero ir embora daquele lugar o quanto antes. Assino uns
papeis.
Peço pra não machucarem o agressor. Pego forte na mão da
vítima.
Saio sequelada, machucada.
No caminho, o gigante me consola. Minha lucidez me deixa
cega.
Fico feliz de estar ao lado do meu filho numa hora dessas. Deixo
ele no conforto da escola. Imagino um jantar pra consolar seus
olhos assustados.
Se tem uma coisa que me faz grande é a maternidade. Um dia,
quando nada mais existir, não quero ser lembrada. Já estou tatuada no
peito dos meus filhos.