sexta-feira, 24 de maio de 2013

Filha do Mangue


Vem a chuva a me acordar às quatro da manhã.  
Quatro e trinta e sete.
Tocando um samba canção nas telhas do meu quarto. Chegou mansinha convidando a bailar.
A introdução era um ritmo tirado da caixa de fósforo. Leve, quase canção de ninar.
Me faço de difícil. Fico ouvindo, mas não abro os olhos. A minha intenção era que ainda fosse noite e eu estivesse sonhando.
Mas a chuva não é qualquer uma. Chuva de maio me lembrando que nasci num dia assim. Chuva de inverno, temperamento forte. E ela engrossa a bateria, fazendo um samba enredo.
Sou do frevo, não sei sambar.
Levanto pra saudar a mãe natureza.
Tomo meu café com uns pinguinhos me beijando no alpendre.
É preciso arrumar a calha.
Volto pra cama, crente que tinha amainado a minha inquilina.
A rua sendo lavada pela água que veio do céu. 
Escolho o melhor jeito de me enfronhar pelo travesseiro, consigo me aninhar. 
Mas eis que me chega o cheiro da terra molhada e então ouço um tropel.
Agora não é mais samba. 
Fico deitada curtindo aquele concerto infinito. Sinfônico.
O gato se esgueira pelas frestas da porta da varanda. 
O cachorro late em resposta.
A TV, mesmo com o som ligado, fica muda. 
Chove.
Não troco isso por nenhum dia de sol radiante.
Sinto a umidade a 90% na minha pele. 
Gosto do sabor da maresia que a chuva me traz. 
Sou filha do mangue do Recife. 

2 comentários:

siL disse...

...gosto do sabor da maresia que a chuva me traz...

Germana Accioly disse...

Sil! que bom te receber por aqui! beijos

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