terça-feira, 18 de fevereiro de 2014

Abastecida



Deve estar fazendo uns 32 graus. Trinta e dois graus úmidos em pleno centro do Recife. Saio da Rua do Lima e busco em vão um taxi. Meio dia. Ou estão almoçando e deixam os táxis de enfeite nos pontos, ou não estão. Não sei quais motoristas são os piores. Decido ir a pé. O meu salto meio alto não está incomodando.
Mas as calçadas irregulares me desafiam. Abaixo, pedras, buracos, desníveis. Acima, o sol castigando. É verão, minha cara. A estação do calor enlouquecedor e do ar pesado de chuva. Chove a qualquer momento. Chove e o asfalto libera um mormaço que quase sufoca.
Meu sapato de salto começa a dizer que existe. Estou na metade do caminho. A fome começa a apontar e lembro que este regime não dá trégua. Chegou a hora, a fome bate na porta. Tento andar mais rápido, mas o sapato doi pra valer.
Procuro as sombras das árvores da rua do Sossego. Estou quase lá.
Imagine a cena.
O suor começa a fazer caminhos engraçados nas minhas costas.
Deve estar fazendo uns 32 graus. Mas a sensação térmica  é de muito mais. A fome me leva a ver ovos sendo fritos na calçada de Abelardo da Hora. Ou seria melhor na porta de Paulo Brusky?
Passo pelo Iraque. Calor de deserto.
Meu sentimento não faz jus à rua.
Minha fome medíocre não é artística nem é estética.
Chego no primeiro restaurante. Escolho o prato. Não tem legume, senhora. Posso trocar por alface? Pode.
Passam-se uns 3 minutos. Não tem salmão, senhora. Pode ser maminha?
Você pode me trazer a conta? Quanto custa o chá gelado?
Saio sem raiva, mas a fome grita.
Paro em qualquer lugar e peço uma salada. O queijo ricota era de trezantonte.
Parei ali, em frente àquela salada engenbrada e pensei no afeto necessário para se sentir abastecida.
E estou abastecida. Construí alguns portos seguros. Olho em volta e vejo tudo tão suave. O garçon enlouquecido, a mesa com a toalha de plástico suja. O homem que cata as latinhas.
Estou meio Poliana.Cada vez mais integralmente eu. 
Deve ser isso mesmo. Eu ando abastecida. E isso o calor não deforma, o sol não derrete.
Hoje, somente um dia, um pequeno espaço de tempo. Hoje eu estou vendo o mundo com cores leves.
Não importa a caminhada infame da rua do Lima ao Sossego. Não me interessa o trânsito, a incompetência dos taxistas, a falta do troco na hora de pagar a salada, o café frio do escritório.
A fome passou.

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Horizonte

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