segunda-feira, 30 de março de 2015

Carta a um amigo


Germano,
Sempre achei, com todos os arrastos, que a Rua da Glória é uma rua feita de sol. Uma rua em que nasce e dorme o sol.
De manhã cedinho tenho o prazer de abrir minha porta, olhar pra esquerda e ver a rua lavada pela luz. À tardinha, voltando pra casa, o sol me encandeia. É a sua despedida. Tenho por este endereço um amor quase ancestral. Tanto, que morando aqui, é a primeira vez que me sinto no meu lugar. 
Nesta rua que, sem a lente poética, é suja, feia, triste. Ė quase preto e branca. Nossa casinha amarela, uma das poucas ilhas de cor.
Hoje foi um dia de luz. O sol acordou a Glória, o cheiro do cominho do vizinho subiu logo cedo. 
A espera, sem ansiedade, ė um exercício de beleza. E assim foi hoje.
A porta bateu, eu estava teminando um arroz. Corri. um banho råpido, desci as escadas serelepe.
Aliás, peço perdão para mais uma divagação. Quando eu era criança adorava quando minha mãe ia à sua loja. Ninguém, ou quase ninguém, tinha o meu nome. E você tinha. Pra mim era confortador. Lá na minha fantasia juvenil, imaginava que éramos do mesmo grupo. Era como se eu não estivesse sozinha. Mais tarde conheci outros Germanos e Germanas, e por muito tempo fiz meu clube em segredo.
Então, descendo as escadas, minha felicidade gigante era por você ter
aceito esta proposta, este convite de contar a historia dessa rua, a minha rua, com seu brilho e sua sombra.
Germano, sua fala não só me comtemplou. Era como se, de alguma forma, você estivesse contando a minha história,
sendo a sua.
Em muitos momentos, eu me perguntei porque abrir a janela e tocar meu piano com tanto amor para esta rua que mais parece um lixo. Imagino que, com as teclas e os acordes, de alguma forma suplico à historia que também não evapore.
Indaguei igualmente o porque de tanta dedicação a esta casa, este piso, estas pedras que nunca foram de meu pai, meu avô, ou bisavô.
Eu, recifense herdeira do mar de Iracema, dei de vir morar à beira do Capibaribe.
Pois bem, amigo. num clique, ou melhor, em takes, entendi. Sua fala emocionada, verdadeira, realista foi também confortante.
Me descobri nessa militância quase solitária, indo de encontro aos moinhos do consumo, da especulação, da dita modernidade muito mais leve e consciente do que o personagem de Cervantes.
E durante todo o dia suas palavras sábias de sentido me ninaram a mente. Saí dali e fui trabalhar. Hoje a missão foi numa comunidade pobre lá em Boa Viagem.  Vi tanta coisa parecida com o que vivo! Só não  encontrei a poética, a história.
Chegando em casa, assim, como quem grita, escrevi  este texto. Poderia ter escrito somente "Obrigada". Mas seria vazio.
Talvez desde pequena eu entendesse lá, longe da compreensão racional, que viemos realmente de um mesmo lugar. Da Glória. Da Boa Vista.

quinta-feira, 19 de março de 2015

nunca sou eu!

Tenho uma alma lusitana, só pode ser. 
Que vive entre o mar e o rio. 
Cheiro marinho e ar de mangue. 
Minha alma inquieta entre as águas me faz navegar.
Esta noite foi em sonho.
E era eu.
Em outro lugar.
E era minha alma em outro corpo. 
Mas era eu. 
Era a vida platônica saindo das cavernas e dominando as sombras do que eu nunca fui.
E uma das maiores, mais assustadoras e aterrorizantes era um perfil alheio. 
Não era eu.
Era uma outra pessoa, o mesmo sonho. Era outro cenário, o mesmo enredo.
A trama que me persegue a vida, que me faz viver e morrer.
Minha alma lusitana é dada a saudades. A nostalgia.
É leal.
E não me assusto ao dizer que como este, já escrevi dezenas. E os deletei, rasguei, maturei, decorei, reli, como quem quer expurgar um mal, uma bruxaria.
É isso o que muitas vezes esta ligação me soa.
A alguma coisa tão distante e presente, que bem não pode fazer.
A uma prisão ao passado que insiste em não ruir, mas que tampouco evolui em sua pena.
A tentativa tímida fica entre não atrapalhar a minha vida e não importunar a alheia.
Meus surtos vem e vão, de forma que em alguns momentos estou até mais em paz.
Esta noite fui acometida mais uma vez.
Mas não era eu. 
Era um disfarce. E eu tentava dizer. Só que eu sequer era vista.
Não precisa invocar Freud.
Nem as sincronicidades de Jung.
Tudo está explicado e dito.
Minha alma vê o barco da vida seguir em águas cada vez mais profundas. 

terça-feira, 17 de março de 2015

Expiração

Não se aprende na fantasia. 
Se aprende sendo. 
Todo começo é um recomeço.... 
E se começa a cada instante. 
Assim como a respiração, fundamental para a vida. 
Se morre a cada expiração. 
Se (re)nasce na inspiração. 
Assim como na arte. 
Inspiração leva à criação. Criatividade.
 Cada dia, uma longa respiração.
 Cada instante, um desafio. 
Um jogo de vida e morte, até o fim.

Horizonte

 Pausar.  Simples e necessário! Tempo restaurador. Arrumar as gavetas da cabeça, acariciar a alma, alentar as dores, afagar os prazeres. Fec...