sábado, 25 de junho de 2016

Dezoito.






Ele tinha 18 dias e me encarou. 
Olhou profundo nos meus olhos.
Mal tinha nascido. 
Fixou assim em mim.
Hipnotizou.
Aquele olhar falava.
E ele queria ver além.
E não fugia dos meus olhos.
Chegou num dia de chuva mansa.
Chegou garoando.
No seu nome eu coloquei a luz.
Nove meses antes já tinha anunciado.
Eu soube desde o início que ele vinha.
E mesmo quando o laboratório me entregou um resultado “inconclusivo”, eu ri no íntimo.
Não.
Ri com meu íntimo. Rimos juntos.
Entendi na hora que começaria ali uma história.
Nossa história.
Meu filho de olhos naïf,
O humanista,
Agora é maior.
Maior de idade.
Grande ele já é,
Sempre foi.
Maior que nós todos.
Esse homenzinho, ainda bem pequeno, me disse:
-Mãe, aqui sou o mais novo da família. Mas lá de onde eu vim, eu era o maior.Fiquei esperando todos vocês chegarem pra eu vir depois.
Acreditei na hora.
O que tem o mundo tatuado no coração.
E agora, começo a entregá-lo ao mundo.
Devagarinho, que não quero largar o osso.
Que quero retardar os dias, que quero aninhar outra vez no meu colo.
E eu, essa mãe inteira, essa pedra incrustada na rocha.
O mundo é inconclusivo.
Não nos dá mapas, nem manuais de uso.
Agora eu sou a pequena, assistindo o nascer do seu sol, o brotar das suas folhas, o crescer dos seus galhos.
Meus olhos naïf vão encontrar os teus.
E é só o olhar que importa agora.
E a gente tem se preparado pra isso.
Verdade, filho.
Hoje, aos seus 18 anos, fixo meus olhos nos seus e quero ver mais profundo.

terça-feira, 21 de junho de 2016

Cheia muda

A cheia tinha levado na minha infância quase a casa toda. 
Morava na Estrada do Encanamento. 
Lembro pouco de 1975. 
A nossa retirada de casa às pressas, 
Um banquinho encostado na parede na janela do apartamento da minha tia, onde eu refugiada subia e via lá embaixo as coisas passeando pelas águas. 
Eu tinha 3 anos. Não entendia a tristeza. 
Admiro a beleza das águas até hoje. 
Na volta pra casa a chuva deixou a marca de um metro e meio.
Do tamanho da minha mãe, eu pensava. 
Lembro das fotos que restaram quarando nos varais, algumas manchadas. 
A gente passando sabão no alpendre imenso pra tirar a lama. 
São cenas perdidas. 
Recife e chuva combinam. 
Eu nunca tinha sentido tristeza de chuva até o dia em que a água veio se espreitando e invadiu o piano.
Invadiu e paralizou. 
Imobilizou.
Nada sobra da alma molhada. 
Quando seca, sem esperança, muda de cor. 
Meu piano mudo.
Eu muda. 
Hoje é noite de chuva e ele voltou.
Vou tocar pra água e seus ventos.
Porque a dor da espera escorreu feito correnteza.
E a música deixou uma marca maior que eu. 
Hoje tenho quase nada a mais que um metro e meio.

Horizonte

 Pausar.  Simples e necessário! Tempo restaurador. Arrumar as gavetas da cabeça, acariciar a alma, alentar as dores, afagar os prazeres. Fec...