Uns
Rua Pereira Simões, 742.
As grades que protegiam a casa também revelavam o nosso
cotidiano. Era uma vida aberta. Sem muros. Todos morando juntos, cada um com
seus desejos jovens.
Ana Luiza, Zé Renato e Pan. Meus primeiros companheiros de
vida. Os que mais me ensinaram, os que hoje eu mais amo. Aquela casa foi nosso
último endereço coletivo, comum. Depois dali fomos traçando outras trajetórias.
Lembro do piso de taco, das almofadas coloridas ao lado do som. Dos almoços que
Dona Margarida fazia e que nos mantinham unidos na mesa.
A música nos trouxe também esta unidade. Os vinis que
chegavam era trabalhados, investigados, absorvidos, ouvidos e re-ouvidos. Até
hoje quando sonho com a minha vida em família, sonho com aquela casa. A
trepadeira que invadia as grades, a música que ocupava tudo, a pronta entrega
de mamãe lá no fundo! O piano no quarto....
Hoje, 30 anos depois, a tecnologia me trouxe de volta uma
trilha sonora, um bilhete para o passado, uma passagem. Cada faixa daquele
disco me diz muito. Me traz demais.
Bobagens, meu filho, bobagens,
ela poderia dizer. Eram meus quinze anos. E a valsa foi Eclipse Oculto. Uma festa na sala das almofadas. Coisa mais bonita é você embalou meu
primeiro beijo.
Lembro de Ana Luiza dançando toda fantasiada, com os achados
que garimpava no quarto de mamãe. “A minha
alegria atravessou o mar.”... A
gente ria. Emendava na rumba “Mamãe eu
quero ir à cuba, quero ver a vida lá”. A gente dançava.
Minhas viagens existenciais, muitas vezes com Zé Renato ao
meu lado, dividindo o quarto, lembram “Sou um homem comum... qualquer um....”
Tão forte esta obra de arte nas nossas vidas que outro dia,
aos 78 anos, nossa mãe citou “Choque entre
o azul e o cacho de acácias”, para falar de uma contradição da vida. A
Poesia da nossa mãe, tão contraditória quanto os versos de Caetano.
Tudo é dez, tudo é
mil, tudo acaba, nada tem fim. Pan, os discos sempre entravam pelas tuas
mãos. Era uma delicadeza displicente. Você sempre trazia o novo.
Eu hoje, ouvindo este disco mais de uma dezena de vezes,
entendi que amar, dar tudo, não ter
medo... tocar.... cantar o mundo... por o dedo no lá! Nossa banda da terra é
outra. É o que construímos e ainda vamos construir.
E nós ali, cada um na sua viagem, irmãos e mãe de uma
família esquisita, sempre fomos e sempre estaremos ligados por uma energia pura,
que se chama amor.
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