segunda-feira, 13 de dezembro de 2021

Batuta do Seu José

A batuta do Seu José


Era julho de 2019. Meu penúltimo dia de umas férias rápidas em Paris, fui passar dez dias. Pouca bagagem, nenhuma intenção de fazer compras.

A ideia era flanar. Fiquei no apartamento de um amigo na Porte D’Orleans. 

Cheguei sem programação fixa, mas tinha uma única missão. Acordei na manhã ensolarada e rumei para a tarefa. Bati a Rue de Rome em Paris de cima abaixo e não achei a loja. Resumo da ópera: ninguém conhecia! Até que depois de arrastar meu pobre francês em boulangeries, entre os passantes... decidi me aventurar numa loja similar: Rome instruments. Entrei e encontrei exatamente o artigo em questão. Trouxe com todo cuidado pra Recife, pois era frágil. Passei umas duas horas batendo perna e achando que o meu francês estava cada vez menos entendível... mas na verdade meu irmão tinha me recomendado muitíssimo e com veemência uma loja que jamais existiu na história da cidade luz!!!!

Valeu a pena quando entreguei o pacote bem embaladinho. Um tesouro pra ele. 

Meu irmão José Renato é Maestro. A encomenda, duas batutas de fibra de carbono, levíssimas. Um desses exemplos em que o “vale quanto pesa” não se aplica.

Aprendi com ele que a dedicação tem sua recompensa. Que precisamos acreditar e perseguir os objetivos. Com Nato, seis anos mais velho que eu, li poesia até tarde da noite. Acordei cedo para ir às aulas de piano num fusquinha sem limpador de para-brisas, mas que nos livrava do ônibus lotado.

Zé Renato, hoje maestro da Orquestra Sinfônica do Recife e da Orquestra Criança Cidadã, é meu tudo: O irmão-abraço, o irmão-acolhimento, o irmão-afeto. 

Fui mãe de leite da sua primeira filha, sou madrinha da caçula. Nossas vidas se entrelaçam em um caminho de partilha.

Estas fotos são do primeiro concerto dele com a orquestra de meninos e meninas do Coque. 

Sentei no gargarejo e me emocionei com o repertório, com o solo de viola e com a última peça, de Beethoven. Pensei na história de cada jovem músico que estava ali, refiz na mente nossa trajetória.

Mas nada me tocou tanto, nada me levou para tão distante... Eu e a minha mania de ver as sutilezas... 

No meio da última peça, a batuta de fibra de carbono caiu da mão do Maestro.

Ouvi o toque da queda, tive um pré-impulso de ir resgatar, mas fiquei ali quietinha. Ele continuou regendo. Eu parei o mundo e fiquei acompanhando as mãos expressivas do meu irmão. As mãos que pediam calma, paixão, força e unidade. Uma pausa nos Cellos e alguém coloca a batuta dele na estante. Com elegância e intimidade, ele dá um tempo de pega novamente seu instrumento.

Pensei comigo: eu andaria a Rue de Rome mais umas cem vezes para viver este momento. Nem sei se a batuta que ele estava usando era a mesma que eu trouxe na sacolinha de mão com zelo extremo, mas, como dizem os franceses, Tampi...

Acabou o concerto, aplaudi toda a história dele ali. 

Aplaudi as noites de estudo, os dias de suor. 

Aplaudi os 30 anos de aulas no conservatório.

Aplaudi a verdade que existe nos seus gestos.

Aplaudi o meu irmão, que carrega o coração na ponta da sua batuta.

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Horizonte

 Pausar.  Simples e necessário! Tempo restaurador. Arrumar as gavetas da cabeça, acariciar a alma, alentar as dores, afagar os prazeres. Fec...