terça-feira, 25 de setembro de 2007

Padecendo no Paraíso

Raízes robustas e folhas vívidas, meus meninos vão crescendo.
E eu, aprendendo com eles. Este clichê é a mais pura verdade. E que verdade incrível.
Vejo-me neles, mas vejo-os senhores também.
E o engraçado é que o passado vai ficando cada vez mais presente. É como se a gente segurasse forte a mão da história.
E o futuro inevitável virá. Os meus meninos serão sempre.




quinta-feira, 20 de setembro de 2007

Musa

Repousa sobre o canapé, imóvel, a natureza morta.
Dormem os braços, as pernas, o quadril.
Dormentes, já não fazem parte do corpo.
Os braços enlaçam as faces,
Caminho que revela trilhas alvas no perfil.
Dialoga o ventre com o olhar atento.
O ritmo agitado do peito
No contratempo do corpo inerte.
Pulsam os seios nus:
Imagem cálida de santa venerada.
O pincel passeia a traços largos,
Linhas essenciais.
Curvas montanhosas e um jogo de luz e sombra
Cravam na tela a tinta acrílica.
O sol espreita a cena por entre as telhas vermelhas.
Irmanam-se os odores
Do corpo dela perfumado de mulher,
Dos corantes compactos no tecido,
Do cheiro forte da água que corre pela viela estreita.
Cansaço e sedução.
O melhor ângulo para a poesia dele.
O melhor argumento para eternizar a pele dela.
Foram-se tardes inteiras. Passaram-se anos. Traços mais livres e largos seguiram imortalizando a musa. Ancas vastas, carregadas de vida e história pelo corpo. Saciaram a certeza. Tudo sempre estivera assim. Tardes de amor, vida em comum.

segunda-feira, 10 de setembro de 2007

Um sopro


No dia em que eu morri, de coração impregnado, chovia muito.

Não fazia frio.
As velas do teatro teimavam em brilhar. Resistiam aos humores da brisa como quem procura por oxigênio para alimentar os pulmões.

A peleja das velas ..... Suas sombras inquietas flamejavam figuras pelas paredes, entre as coxias, que subiam no palco como entidades de outro mundo. Vinham para uma longa festa.
No dia em que morri a chuva também brincava de existir. Os carros à porta do teatro, puxados por cavalos vigorosos e ela vinha como um raio. Dissipava suas gotas em córregos e nos meio-fios. Molhava as casacas pretas, desenhava com vapores abstrações nas janelas. Apressava os passos de salto agulha na pedra sabão e nos degraus de mármore da entrada.
Na sala de espetáculo, não se tomava conhecimento das nuvens fortes, nem sentia- se o vento úmido e denso.
La dentro os perfumes fundiam-se e as vozes eram como murmúrios, correnteza de rio que insinua a chegada.
Nada se decifrava antes de começar o concerto.
Como faço nesta vida, escolhi meu melhor xale. Vesti um modelo que mostrasse bem o meu colo num decote pouco insinuante que emoldurava os ombros. Cabelos displicentes sequer reagiam ao vento.
Acomodei os convidados nos camarotes e sentei-me para apreciar a orquestra talvez na terceira peça. O coração batia forte e suas ondas transbordaram pelos meus olhos. Como acontece nos dias de hoje, o choro era de felicidade.

Os metais contavam histórias. As cordas reagiam com lamentos.
Posso ouvir suas harmonias até hoje.

Foi quando o maestro anunciou. Fiquei em pé para aplaudir. O maestro dedicou para mim a próxima música.
O coração aplaudiu forte demais. Rasgou as veias, arrancou suas paredes.
A minha vista escureceu. Ainda olhei em volta e senti o instante último.
Uma dor forte e definitiva. Como uma vela que teimou e foi vencida pelo vento. Um sopro.
E foi assim que eu morri feliz.

Horizonte

 Pausar.  Simples e necessário! Tempo restaurador. Arrumar as gavetas da cabeça, acariciar a alma, alentar as dores, afagar os prazeres. Fec...