Não se engane, ela não é uma menina. A história é besta, beira o ridículo e o que é pior: aconteceu mesmo!
Num dia, em meio à grande crise da vida, crise existencial, crise afetiva, crise financeira, ela peitou a vida.
Encontrou na pia da segunda-feira prato de sopa sujo do sábado, tinha rastro de almoço e jantar na mesa, perto do filtro.... tudo estava em desalinho.
Num gesto de generosidade consigo mesma, ela começou a ordenar tudo. Brincando de bonecas, arrumou a coleção de xícaras, colocou os pires no lugar e contou os pratos de sobremesa. Isso sim, era um traço da infância. Brincou sozinha a vida toda. Assim seja.
Ligou pra ele, meio tímida.
- Traz um vinho pro jantar?
- Tinho? Perguntou ele num reflexo.
- Tinto. Beijo.
Na cozinha agora organizada ela continuou brincando de bonecas. Salada, molho de tomate, bom queijo,pão, boa massa. Tudo com amor.
Na mesa redonda (porque cabe muita gente) colocou dois jogos americanos.
Taças para o brinde.
Velas e flores para o amor.
Tudo ordenado, sentou pra esperar.
E esperar lembra esperança, que deveria ser o substantivo de quem espera.
se fosse adjetivo, não combinava com ela.
Novela das seis, romântica. Jornal local, mal feito. Novela das sete, insuportável!
Ela então acessou seu filme pessoal e lembrou das tantas vezes que esperou por ele e que a comida esfriou. Requentou. Reesfriou.
Dia dos namorados, aniversário de casamento... meras datas pra ele. Motivos de ritual pra ela.
Tomou um banho demorado, vestiu uma roupa meio casual, meio alegre. Saia amarela longa de algodão cheia de florzinhas e blusa verde levinha, com bordado na gola. Nos pés, as sapatilhas que ele deu na sexta passada.
Sete e quarenta. Ela não agüentou. Pegou a chave do carro e saiu sem destino. Na cidade planejada não tinha amigos. Já no meio do caminho pra canto nenhum ele ligou. Tava em casa.
As taças, os pratos, as xícaras,as velas e as flores estavam lá.
Ela não....
Do outro lado da linha, ela ouvia com açúcar e com afeto.
Coitada dessa mulher.
Fugiu de casa por medo do que passou. Medo do que já foi.
Voltou pra casa cabisbaixa e encontrou os braços firmes dele.
Ele abriu o vinho, ela pediu desculpas.
Ele serviu o vinho, ela cozinhou a pasta.
Eles tomaram o vinho juntos e comeram o pão.
Comungaram como há quase duas décadas.
A ceia memorável, alface, tomate, queijo, atum.
A noite seguiu serena.
Um jantar comum, um momento único pros dois.
terça-feira, 5 de julho de 2011
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