Final de semana era sagrado. Roupa separada, chegava
cedinho, adorava sentir o cheiro da sala. E o silêncio da plateia que ia sendo abafado pelas vozes que chegavam se esforçando pra falar manso.
Sentava na poltrona da segunda fila. A bilheteira já me
conhecia. A camareira também.
Pudera! Eu cheguei a assistir o mesmo espetáculo umas 20
vezes ou mais. Teve uma vez que faltou uma atriz e eu substituí. Foi aí que
comecei a representar e entendi que aquela paixão – uma das tantas da
vida – não era tão simples assim.
Mas a história dessa vez não é minha, nem do teatro.
Quero falar de uma pessoa que eu não sei o nome. Nunca
soube. Mas também nunca esqueci seu rosto. Isso é outra coisa curiosa. Quem me
conhece sabe que sou meio displicente. Esqueço nomes, fatos, esqueço as
fisionomias das pessoas. Não lembro da camareira nem da bilheteira.
Mas ele não. Ele era quase como parte do ritual de ir ao
teatro. Ela o vendedor de doces e pipoca. Ele conhecia os atores pelo nome e, obviamente,
me conhecia também.
Para ele eu era a moça da “salgada, né ? E com muita manteiga”. Era. Ele não sabia meu nome. Pouco
importa.
Com o tempo eu fui deixando de ir ao teatro. Era piano, era faculdade, eram os filhos... Mas, sempre que
aparecia, ele estava por lá. “Oi, tudo bem? O de sempre?”
Era confortante. Meu filhos chegaram a comprar chocolate,
chiclete, drops a ele. Eu tinha a doce intenção de transferir aquele meu laço.
Depois, muito depois, compramos uma casa no centro do
Recife. Descobri que o moço do" bom bom" morava lá. Alugava um quarto numa
pensão. Pronto. Deixou de ser fantasia. Quando a gente descobre onde mora a
fábula, ela deixa de ser.
Falei com ele algumas vezes, mas fora do contexto, quem não
me reconhecia era ele.
Hoje moro na casa. Faz um mês.
Ando muito por ali, mas ainda não tinha visto o meu
personagem. Perguntei a um e a outro e tive muxoxos como resposta. Pensei: já
se foi.
Hoje cedinho, comecei a friviar dentro de casa. Mexi aqui e
ali. Tava faltando queijo. Saí pra comprar no mercado público. Eram 6h30 da matina. Na ida, ele
estava enrolando um cigarro grosso. Não olhou pra mim.
Na volta, tava perfumando a rua com a fumaça. Sentado na
calçada do convento da Glória. Era insenso.
Não olhei pra ele.
Abri a porta do meu mundo, que nem acontecia nos contos que
vi representados: uma casinha de porta e janela que, quando a gente abre, dentro tem um palácio.
Não destituí meu personagem. Descobri que ele cabe em dois
cenários.
Mas aí, já é outra história...
2 comentários:
Mas Germana... ...realmente você prende até o fim! É muito criativo o que vc faz com a simplicidade de quem nada faz ao abrir a cortina para o desenrolar da Peça. Não a sabia escritora. Sabia-a musicista... ...parabéns novamente...
Edson, eu não escrevo com alguma intenção. na verdade, escrevo pra "liberar" a mente. porque se não escrevo, o pensamento fica ocupando lugar. é quase uma forma de me ver livre sabe?
Obrigada por ler minhas impressões.
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