terça-feira, 29 de abril de 2014

No Recife

Moro no Recife. 
A cidade do poeta sem rosto. A cidade onde Ascenso foi agredido. 
Moro no Recife. 
A cidade do frevo. A cidade onde o frevo só toca quatro dias no ano...
Recife do saudosismo de Antônio Maria e da minha frustração. 
Moro no Recife. 
A cidade das águas. Por isso mesmo, o esgoto teima na minha porta. Teima e fede. 
Moro no Recife. 
Da ciclofaixa de fim de semana, que ignora os trabalhadores ciclistas.
Dos centros culturais pela metade.
Do Teatro do parque abandonado.
O Capibaribe de testemunha.
O poeta sem rosto é a cara do Recife.

sexta-feira, 25 de abril de 2014

O meu Bach




Ele era craqueiro. Ou é. 
Não sei se anda perambula por estas ruas.
Usuário de Crack, para os politicamente corretos. 
Pouco importa.
Foi uma conversa rápida. Importa ainda menos.
A verdade é que eu estava tocando Bach e vi que alguém me observava através da janela aberta. Eu resistia em parar aquele quebra-cabeça musical. Bach me dá uma embriaguez. Sua música intermitente, suas notas insistentes e seguidas, seu som exacerbado. Às vezes é rock. Às vezes é hard.
Uma ausência de pausas.
Tocar Bach me deixa com o torpor parecido ao de uma corrida. Aquele prazer sem fim que o cansaço não vence.
E por isso mesmo, eu relutava em olhar para a janela. Do outro lado da grade branca com arabescos coloniais, minha platéia era solitária e muda.
Enfim quando a curiosidade me venceu, vi um homem devastado. Chorava. Pedia desculpas por estar ali. E me dizia: a vida é muito dura, mas ouvir esta música acalma qualquer dor.
Lá no fundo do meu lugar burguês eu achei que ele ia pedir uma moeda pra interar o almoço. Tantos fazem isso. Mas continuei na conversa. Expliquei que era Bach. No lugar da moeda, ele me pediu Beethoven, mas eu não tinha nenhuma obra do mestre na manga.
Toquei ainda uns 10 minutos e meu observador continuou ali de pé. Se despediu.
Continuei minha brincadeira barroca.
Um tempo depois ele volta. Não resistiu. Chorou feito criança. Pediu desculpas de novo. Chorei junto.
Dias depois estava eu na padaria. Quando saí na calçada, quase fui atropelada por um homem completamente drogado, desfigurado. Ele olhou pra minha bolsa com gana. Eu era a garantia da lombra seguir firme.
Fixei bem nos olhos dele, me pareciam familiares. E foi aí que ele desmontou. Ele começou a gritar: é a pianista, pianista!!! Olhou pra mim, bem mais profundo do que eu olhei pra ele e me disse: você tem o dom.
Eu emudeci.  Sorri, mas ao mesmo tempo queria chorar. Aquele homem tinha tanta sensibilidade que poderia ser meu parceiro musical. Ou um grande maestro. Ou qualquer coisa que quisesse na vida.
Ele não se demorou muito. Seguiu no seu caminho alheio e cambaleante.
Desde então, abrir a janela e tocar piano tem outro significado.
Este é o meu projeto cultural. 

Horizonte

 Pausar.  Simples e necessário! Tempo restaurador. Arrumar as gavetas da cabeça, acariciar a alma, alentar as dores, afagar os prazeres. Fec...