Eu sempre digo que a minha bruxaria maior está em um caldeirão fumaçando na cozinha.
A alquimia instintiva, investigativa e interativa que existe entre o alimento, as minhas mãos e o fogo. Tenho queimaduras de estimação, cicatrizes desta parceria.
A bruxaria que transmite pelas panelas o afeto, a cura, a mensagem.
Escrevo em pitadas de pimenta.
Faço versos em porções.
Assim como na cozinha, um pouco sem métrica.
Foi na cozinha que voltei a escrever, a imprimir minha poesia.
Meus cadernos de receita que pouco ensinam a cozinhar, falam das sensações.
A inspiração se empresta, em mim, tanto para a poesia quanto para a cozinha.
Que bruxa esquisita eu sou!
Ontem passei o dia ouvindo a cozinha me chamar, mas estava em outras paragens.
Isso, não sou somente eu que quero a cozinha. Ela me solicita também.
Não sei se alguém vai entender, mas também posso cozinhar mentalmente. Combinar sabores, considerar novas maneiras de tratar os ingredientes... bruxaria mesmo.
Quando cheguei em casa, já à noite, tirei da geladeira o levain, aquele tal de fermento natural, que eu tenho a alegria de cultivar.
Aprendi a conversar com o fermento natural. Não pasmem! Cabe este tipo de procedimento nos meus feitiços. Aprendi o tempo dele. Porque ninguém cozinha só.
Observar o fermento se alimentando, perceber a hora certa de misturar com a farinha de trigo é das mais altas bruxarias. Sentir o tempo da fermentação, respeitar a temperatura ambiente. E tirar da mistura de água, farinha, fermento e sal um dos mais ancestrais e simplórios alimentos.
Então... hoje pela manhã acordei e fui ver o pão que fermentou a noite toda.
Tava lindo!
Que presente de domingo!
Coloquei numa panela de ferro pré aquecida e lever ao forno. Primeiro, ele cresce. Aí você abaixa o fogo. Depois, aquele perfume de pão invade a sua casa. E ele fica douradinho... crocante por fora e macio por dentro.
É o fogo que transforma,
É o calor que alimenta,
O alimento que cura.
É a minha homenagem a todas as mulheres que cultivam suas bruxarias.
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