- Como é que um olho tão pequeno enxerga uma coisa tão grande?
Eu sempre gostei de ler, desde que aprendi a ler. Sempre gostei de escrever. Sempre gostei deste encontro com os livros. Um diálogo com o escritor, nem sempre possível pessoalmente. Um debate silencioso, gritando nas cabeças, fazendo novas conexões e sugerindo imagens, sons, lugares, rimas....
- Como é que um olho tão pequeno enxerga uma coisa tão grande?
Essa era uma pergunta que eu, criança, repetia sempre. Um olhinho tão pequeno.... enxergando um prédio imenso! Eu pendia a cabeça pra trás ao máximo e fitava o céu. E tudo aquilo cabia ali dentro daquela bolinha de gude plantada na minha face.
- Como é mesmo que um olho tão pequeno enxerga uma coisa tão grande?
Desavisada, no meu mundo infantil, cresci com esta crença. Era também o olhar pra dentro... como é que um olho tão pequeno, enxerga coisas tão grandes da alma? Como é que, vendo só pra fora, a gente enxerga pra dentro? Como é que, havendo tanta coisa grande, a gente enxerga o que não se vê?
- Como é que um olho tão pequeno enxerga uma coisa tão grande?
Desavisada, agora pela manhã, abri o livro de Valter Hugo Mãe. Me dei de presente dez minutinhos de conversa com ele. Uma licença da realidade, pra colocar a cabeça no lugar.
Queria dizer a VHM que o livro que estou lendo, “a máquina de fazer espanhóis”, esta reflexão sobre a morte, caiu como uma luva na minha vida pandêmica. Queria dizer a ele que, daqui do “brasil” (ele escreve assim, sem exclamações, travessões, letras maiúsculas...), daqui desta lonjura do brasil, em algum lugar nos encontramos. A paz que não existe com a notícia de termos mais de 3.100 mortos ontem.... ual é o antônimo de paz, a propósito... começo a achar que não é a guerra. Começo a encontrar outros sentidos fora do dicionário.
E meus olhos bola de gude acabaram se abrindo para um universo largo, profundo e desejoso de respostas, todas mudas até agora.
- Como é que um olho tão pequeno enxerga uma coisa tão grande?
Me vejo puxando a saia da minha mãe, querendo que ela olhe pra baixo e me responda. Mas, não.
Ao contrário, sinto um nó aqui no estômago roubar a fome. Sinto que a dor do mundo inteiro está sentada no meu sofá. Sinto imensamente o desalento social se avolumando na minha porta.
Sinto e vejo.
Vejo e marejo.
Viro a página do livro e me vem a resposta em forma de confirmação.
Sim, o escritor me respondeu. Ele me disse que tem as mesmas inquietações que eu.
A dor do mundo não tem tamanho. Os descasos também não.
A vida, imensa, passando pelos meus olhos estrábicos. Talvez por isso mesmo, eu enxergue demais.
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