Era madrugada e a menina acordava num salto.
Um facho de luz vinha
da sala.
Deslizava entre os lençóis, seus pés pequeninos tocavam o
chão. O corredor era imenso! Ela descia os dois degraus e estava na
sala de jantar.
- Não consigo dormir...
A luz acesa sobre a mesa iluminava muitos papeis. Mapas gigantes para os seus olhos tão pequenos.
Lá fora, o silêncio era cortado pelos grilos, o coaxar de
uma ou outra rã... ou seria sapo...
Ela esfregava os olhos cansados.
- Já é de madrugada?
Nem bem conseguia, em pé, alcançar o tampo da mesa. Espichava-se
na ponta de bailarina.
Aquelas noites de trabalho do pai eram especiais. Ele cansado
do dia, esticando o expediente.
- Me conta uma história?
Segurava na sua mão, subia os dois degraus, atravessava o
corredor imenso... tudo ia ficando penumbra.
Deitava a menina na cama, embrulhava com o lençol.
- Você é o meu presente.
Começava uma fábula qualquer, construída na hora. Eram
histórias de agricultores, de cabrinhas professoras, de pessoas que se
alfabetizavam.
A voz do pai, vencida pelo cansaço, ia ficando lenta.
A menina cutucava.
-Acabou?
Ele voltava à narrativa.
- Pai, conta uma de princesa?
Ele já não ouvia. Ressonava.
A menina se aninhava, enrolada no lençol.
Quiçá, sonhava com princesas, que libertariam agricultores...
ou com príncipes professores de animais que ainda não sabiam ler. Ou com fadas
madrinhas que, com suas varinhas, fariam a revolução.
Esta lembrança longínqua, de noites e noites e noites de conversa sussurrando pra não acordar a casa, desperta de um longo sono. Hoje a menina escreve suas próprias histórias. Revira memórias, dá nome aos sentimentos e embrulha tudo pra presente.
Graças ao pai.