A saudade me paralisou
Engasgou a infância
Meus dez anos tomados de assalto
Perdi tanto:
as flores no quintal
as histórias antes de dormir
Um amor roubado
Os finais de semana programados
e a nossa tristeza quinzenal
eram traduzidos
nas paredes grossas
nas janelas pequenas
no pão torrado demais
Passei a acordar de madrugada
a procurar seus vestígios
passei a querer esquecer
mas era a dor que não passava
Lembro do cheiro
dos móveis comprados
na Rua da Conceição:
a mesa redonda de jacarandá
as cadeiras de madeira com encosto e assento de palha
trançada
os lençóis estampados com babado azul
o jogo de damas
os brinquedinhos de chumbo
Lembro dos olhos dele
nos tempos mais turvos
quando me visitava na escola
Queria esquecer
Cresci silenciando
emudeci amadurecendo
a saudade que sentia
dos sanduíches de bolacha cream cracker com geleia de mocotó
de ser “embrulhada como múmia"
da vitamina de abacate que não gostava de tomar de manhã
de visitar o peixe boi na Praça do Derby
de comer sanduíche de queijo no drive in
Trancaram meu peito
Perdi a chave
Construí um muro
Escondi a poesia
Era tudo saudade do meu pai
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