quarta-feira, 28 de novembro de 2018
o que tem de bonito?
Das coisas bonitas da vida, eu gosto de dizer, que os encontros ganham em todos os níveis.
Mesmo quando são improváveis, ou quando são "desencontrados".
Até os desencontros, são possibilidades de reencontros.
Andei me perdendo.
Andei vagando.
Andei me atropelando pra encontrar o caminho.
segunda-feira, 29 de outubro de 2018
grito
Um grito rosnou forçando o silêncio da noite. Era
desesperado, era quase uma loa. O grito passeou pela rua e não vi a sua voz.
Era claro o tom de mulher. Era nítida a sua emoção. Fui até a janela do quarto
e a rua estava vazia de pessoas. Mas o grito voava entre as árvores do parque.
Eu senti como se fosse um desabafo. E era meu também. Era do
meu filho e dos meus amores todos. Senti como se fosse a tentativa de sair de
um aperto.
A metáfora que me veio imediatamente foi a da sensação de
tirar o sutiã no meio do dia. Você passa a manhã no trabalho e nem sente que
está apertada. Quando vai chegando em casa pro almoço, sabe-se lá porque cargas
d’água, o tal começa a incomodar. No elevador você tem ânsia de já ir se
livrando. Quando chega em casa, tira os sapatos a caminho do quarto e desataca
o sutiã ali mesmo, no corredor. Tira por dentro da roupa, por entre as mangas
das camisas. Um desespero que não se explica. Você está na intimidade do seu
lar. A comparação pode até ser banal, mas a sensação de alívio é das mais
justas que já senti na vida.
Aquela mulher esgaçando o tecido da noite com seu desabafo
me pareceu de uma urgência, de uma pressa, de uma carga vital imensa. Ela
gritava à capela. Não tinha batucada, não havia palmas. Não havia nenhuma outra
manifestação de apoio ou de repulsa.
O grito passou, mas dormi com ele. Acordei com ele, fiz o
café com ele e até agora ele me faz companhia, protestando nos meus miolos.
Vamos continuar protestando, aliás? Vamos seguir resistindo?
Vamos logo renovar os passaportes pra sair dos limites físicos da nação, sendo
que ela segue conosco tatuada, feito cicatriz, queloide, risco, em todo lugar?
O grito que não escuto mais, ecoa agora no meu peito,
liberto das amarras. Sigo pelas ruas tentando ainda fazer parte delas. Os
ônibus que freiam, a ambulância que soa e o caminhão do gás que toca seu sino
atravessam meu caminho mas não tanto quanto aquele pregão insone.
- Idiotas! Idiotas! Idiotas!
E o valor ecoa firme.
segunda-feira, 22 de outubro de 2018
Menos pesar
Não espere que ninguém chegue junto. Não pense que qualquer
apelo vale como estímulo. Que as pessoas vão se colocar no seu lugar, ou que
vão entender a sua dor. A melhor decisão depois da grande decisão é esperar a
demanda, sem expectativa.
Sente, medite, ligue pra alguém. Mas não espere nada em
troca. Não se troca afeto. Se acumula, se agrega. Amor não muda de dono. Não se
vende. A escritura mais legítima é o sentir. A gente segue buscando nos
carimbos, nos rituais e nas alianças a legitimação dos sentimentos. A gente
insiste em reconhecer a firma do amor. A gente blasfema e maldiz o que ama.
Sente, medite, entoe um mantra. Mas não se fie que alguma
mão vai ser dada. Em tempos duros de redes sociais, um emoticon vale um abraço. Serão raras as pessoas que chegarão perto,
dispostas a te dar colo. Melhor entender que dois beijinhos com olhos de
coração são o melhor que as pessoas têm.
Não se arrete com os amigos que não retornam. Não se amole
com as palavras pela metade no zap. O silêncio fala mais, muito mais do que a
agenda do final de semana.
Eu sigo na minha paisagem. Do lado de fora tem o Recife: mar,
Rio, mangue e pôr do sol. Lá fora, mil e uma razões para voar.
Olho as garças pousadas no Capibaribe. Juntas formam um
bordado, vistas aqui do décimo quarto andar. Elas não pesam. Elas pousam sobre
os galhos do manguezal. Desejo aprender a pesar menos.
Menos pesar.
Mais pousar.
Sente, medite, ouça uma música. A lição primeira é aprender
a ser só. Ouvir com alegria o silêncio da casa. Receber com paz o vazio que o
rompimento deixou. Acolha-se, perdoe-se e se acalente.
Menos pesar.
Mais pousar.
quinta-feira, 18 de outubro de 2018
fAlTa MuItO
São tempos difíceis.
São tempos difíceis.
Eu ainda não sei falar da revolução dentro de mim, nem do
golpe lá fora.
Ou seria o golpe dentro de mim e a revolução lá fora....
Eu ainda não sei.
Falta muito.
Ainda não sei escrever sobre este rebuliço, este gesto largo
e firme que me trouxe a esta paisagem estonteante.
Ainda não sei me situar com as
novas gavetas.
Onde guardo os talheres, onde estão os colares, o saca
rolhas, o pano de chão?
Onde acomodo meus gestos viciados, onde dobro minhas
memórias já passadas?
Falta muito.
Eu ainda olho para as cadeiras da sala como uma turista.
Esqueço onde fica o lixeiro e não tenho nenhuma intimidade com a máquina de
lavar.
Não aprendi o tempo do elevador. A viagem do 14º até o térreo
me parece intercontinental.
Tenho atravessado mares, a propósito. Todos os dias.
Onde devo ter guardado aquela extensão?
Onde se esconde a chave do carro?
Qual é o abrigo das minha dores?
As paredes ainda em branco reverberam um eco que intriga.
Casa sem memória, guardando todas as histórias que eu trouxe
de endereços passados.
Juntando tudo, não dá nem a metade de mim.
O restante, vai que está entre os guardanapos, ou quem
sabe, no armário da área de serviço. Escondido em alguma sacola de plástico...
Falta muito.
terça-feira, 31 de julho de 2018
PRESTES.
Estou prestes.
Prestes a me lançar no abismo da certeza.
Imagino o salto. Certo. Preciso.
A beleza de não saber onde o vento me fará pousar.
Estou prestes a escolher a direção.
Avulsa, despregada.
O verbo estar não define. Não estou....
Estar soa estático. Soa estabilizado. Soa controlado. Soa cômodo. Soa linha de chegada.
E eu me defino, antes, de partida.
Partida, só que inteira. Para o novo. O salto, lançamento. Vernissage de mim mesma.
Minha inauguração. A minha, cada dia.
Não quero mais amanhecer e me perceber em dívida comigo mesma.
Nem ter a triste sensação de tempo perdido.
segunda-feira, 18 de junho de 2018
Mulher Maravilha em primeiro lugar
A ideia era fazer um diário de bordo. Um registro de tudo o
que vivemos na viagem de mulheres ao Sertão do Pajeú. Queria voltar ao trabalho
com um relato fidedigno. Cartesiano. Celulares carregados, procurando o melhor
ângulo para fotos e vídeos. Não consegui. O foco estava no sentir. Estava no
viver e não no relatar.
Não consegui. Foi uma daquelas viagens em que a gente
esquece o telefone, abandona a internet. Estava conectada com outras ondas. Não
perdi os momentos, como alguém pode pontuar. Guardei todos. Fiz questão de não
enxergar através das lentes.
Viagem longa, estrada reta, são ótimos bálsamos. Para curar
agonias da rotina massacrante. Pra pensar melhor sobre a vida e para chegar ao
destino de peito aberto, um pouco esvaziado do que nos atropela no dia a dia.
Fui.
Às cinco da manhã fiz uns sanduíches e coloquei tudo na
bolsinha térmica que comprei na revista da natura. Nunca tinha usado. Fiz uns
sandubas de queijo e pesto. Pão baguete. Dividi em quatro. Outras coisitas que
vi pela frente, sacudi na bolsinha também. Quando minha carona chegou, na porta
de casa, eu já estava a postos. Mochila, travesseiro, toalha, lençol e os
lanches. O mais importante na bagagem: uma sede pelo novo. O desejo.
Umas 6h30 saímos em caranava. Éramos quatro carros. Éramos quatro mulheres num Fiat 500 apertadinho....
A BR 232 sempre foi um ótimo abraço. Mata, agreste e sertão. Nesta ordem. Vejo a paisagem se transmutar. Vejo as pessoas se misturarem. Música no carro pra lembrar de momentos e momentos. E confissões. Mesmo que a gente mal se conheça, no carro rolam altas confissões, revelações. O ambiente favorece.
A BR 232 sempre foi um ótimo abraço. Mata, agreste e sertão. Nesta ordem. Vejo a paisagem se transmutar. Vejo as pessoas se misturarem. Música no carro pra lembrar de momentos e momentos. E confissões. Mesmo que a gente mal se conheça, no carro rolam altas confissões, revelações. O ambiente favorece.
Aumentem o som!
E na cabeça passam vales, colinas, animais na pista. Em cada
casinha mora uma realidade. Em cada vila, uma conjunção diferente.
Já quase chegando, fura o pneu do carro. Nada é por acaso,
mesmo sendo talvez aleatório. Tinha um buraco no meio do caminho. E nós ficamos
por lá. Chegaram os outros carros. Faltou macaco no nosso. Faltou chave de roda
e ninguém sabia como tirar, embaixo do carro, o step. Resumo: macaco de um
carro e step de outro. Faltam 10 dos mais de 300 quilômetros percorridos.
Afogados da Ingazeira tem 50 mil habitantes. Uma cidade que tem harmonia. Parece uma cidade cenográfica, pra quem entra. Chegamos em dia de feira. Gosto de ver as bancas, de sentir o sabor e ver as cores. Gosto de tomar caldo de cana e perguntar a quanto está o tomate. Uma ótima maneira de conhecer um novo lugar. Chegamos!
Afogados da Ingazeira tem 50 mil habitantes. Uma cidade que tem harmonia. Parece uma cidade cenográfica, pra quem entra. Chegamos em dia de feira. Gosto de ver as bancas, de sentir o sabor e ver as cores. Gosto de tomar caldo de cana e perguntar a quanto está o tomate. Uma ótima maneira de conhecer um novo lugar. Chegamos!
Tantas mulheres têm histórias lindas pra contar! De
alegrias, conquistas, dores e desventuras. Mas nunca vi histórias tão profundas
contadas de forma tão simples. No benvirá, as mulheres aprendem que são seres
políticas. E tudo começou hámais de 30 anos, quando um grupo de mulheres
grávidas viúvas da seca (maridos iam
tentar a vida no sudeste e não voltavam), reivindicaram o direito de trabalhar
nas frentes de emergência. Emergência pra quem? Naquela época somente homens
podiam trabalhar. Era cavar açude, fazer cerca, abrir estrada na enxada.
Ganhava meio salário mínimo e uma cesta básica por mês. Melhor que nada. O
feijão que vinha não cozinhava de jeito nenhum. “Nem com o fogo do inferno”,
teria dito o bispo numa rádio na época. E mesmo assim, melhor trabalhar. Foi na
ponta da enxada que as mulheres do benvirá se reuniram. E se fortaleceram na
luta pelos direitos.
Começaram a fazer aula de bordado, de corte e costura, de
artesanato, tudo pra unir as mulheres e discutir política. Na terra seca de
afogados, a semente foi plantada e floresceu.
A primeira atividade com as mulheres, depois de consertar o
pneu do carro, foi uma festa junina. Forró, coco, canjica, milho e muito papo.
Lourdinha me mostra na tela do celular a foto da nora, grávida de Lia e vestida
lindamente numa roupa de quadrilha. Ficou no Recife. Vi outra foto de Lourdinha
grávida com as mulheres do benvirá, uns 30 anos antes. O tempo não para, o
ciclo se refaz.
E a gente sambou coco com as quilombolas de Carnaíba. A
gente do litoral dá umbigada, se vira de um lado pro outro. Elas danças num
remexido miudinho, parecendo um toré. Mas estávamos na mesma roda. A noite
varou. Valeu demais. Teve promoção de cerveja, teve sorteio de brinde, teve até
leilão de batida. Eita sertão!
Companheira me ajude, que eu não posso andar só. Eu sozinha
ando bem, mas com você ando melhor.
Dia seguinte era de lida. Feira, batucada, o inesperado e o
inusitado.
A cena me tomou. Mulheres no sertão do Pajeú batucando,
falando em política. Vou passar muito tempo ainda depurando tudo o que vivi. Os
olhares, a vontade de mudança de tantas! Uma vendedora da banca de farinha foi
das que mais me encantou. Ela me disse: Ta passando da hora. Ta mesmo.
Muita luta, muita lida. Se cuida, se cuida. Se cuida seu
machista. A américa latina vai ser toda feminista.
Conhecer as mulheres do Benvira é privilégio.
Você precisa visitar o Pajeú. O Sertão. Você precisa
conhecer a fibra das pessoas da região. As mulheres feitas desta matéria.
A firmeza doce de Lourdinha.
O abraço de Fátima.
O sorriso de Uilma.
A serenidade de Cida.
A arte e a poesia de Odília.
Você precisa.
São mulheres do Benvirá.
Bem virá.
O futuro do bem.
E se você não for uma mulher do benvirá, não se avexe.
Quem ali comunga, bebe e partilha a mesa, sai de um jeito
diferente.
Chegue cá, mulher. Nenhuma a menos. Somos todas Mulheres
Maravilha! Todas unidas numa luta.
A estrada na volta parecia mais plácida. O abraço com a BR
232 me veio com paz. O caminho de volta nunca é igual ao de ida. Pra falar a
verdade, acho que nunca voltamos para o mesmo lugar. Não importa se o endereço
permanece. Não importa o diário de bordo. Não sou a mesma. Que bom. Tem algo de
maravilha em mim, no mundo do benvirá.
domingo, 27 de maio de 2018
A teimosia do amor
Que alegria estar aqui com tanta gente importante nas nossas vidas!
Que alegria reunir todas e todos neste cenário tão lindo e significativo, construído com amor, partilhado por tantos e tantas de nós. Acredito que muitos e muitas aqui têm histórias pra contar que viveram nesta casa, neste jardim.
Quem está aqui pela primeira vez, seja bem vindo e bem vinda à vivenda Tesser, mais que uma casa, um endereço de acolhimento, que muito me diz sobre generosidade e acolhida.
Paula e Luana, que emoção, que gratidão, que imensidão ver vocês duas aqui na minha frente, mãos dadas, olhos brilhando!
A Paula é para mim uma dessas pessoas fundamentais na vida. Fundamental para a minha alegria, fundamental para o meu futuro. Quis esta mesma vida que, vindas de uma mesma família, ainda com toda esta identificação, tivéssemos morado apenas 8 meses na mesma cidade nesses 40 anos mais ou menos que nos conhecemos.
Paulinha, minha prima virou irmã, minha prima gêmea, como costumamos nos chamar. Talvez a maior testemunha da minha vida inteira, com quem eu divido sonhos e tristezas, com quem comungo tantas alegrias! Lua, esta mulher inteira, forte, pernambucana feito eu! Calhou de a vida dar um monte de voltas e vocês estarem aqui, juntas, celebrando este momento.
Paulinha, é inevitável num momento como este lembrar da nossa infância, de quando brincávamos, duas meninas com apenas uma bicicleta, a gente com 9 ou 10 anos, dividíamos de forma igualitária as voltas que dávamos. Não importava de quem fosse a bicicleta.
Queria também lembrar como sempre dividimos as roupas que levávamos pras viagens de férias. Era divertido. Era genuíno. Era generosidade pura. É engraçado que, mesmo quando fizemos ao longo da vida escolhas distintas, foi como se complementássemos as nossas existências. Eu, que fui mãe cedo de dois meninos, você, mãe mais tardia de duas meninas. Vivencis distintas, igualmente ricas, que compartilhamos com tanto amor! Como se a gente emprestasse uma a outra as experiências diversas que a vida nos oferece.
Confesso que quando recebi o convite de estar aqui, celebrando esta união, tremi. De gratidão, de felicidade, mas também de medo. Escolher as palavras bonitas e verdadeiras, um significado que possa marcar o dia, edificar um momento especial, é um desafio. Receber de vocês a missão de falar hoje aqui nesta cerimônia é mais que um presente. É a celebração deste amor que nós nutrimos, desta confiança, desta linda amizade.
Quero, antes de continuar esta história, pedir uma bênção. Porque aqui conosco estão pessoas que pelo amor nos conduziram e nos formaram. Exemplos, referências, portos seguros, âncoras, gurus. Meus tios Rita e Ozir, minha querida Tequinha, peço a vocês a sabedoria para unir estas duas meninas.
Nara, Flora e Antônia, minhas sobrinhas! Estar aqui com vocês é lembrar o quanto é importante esta troca de amor, a construção desta família tão linda e tão cheia de afeto. Quero pedir a vocês três também bênção e inspiração.
Bênção do mar, da força incrível que vem dos oceanos e da brisa que nos envolve neste momento. A força da natureza, grande mãe inspiradora e condutora da vida!
Eu vim aqui contar uma história de amor. Ou muitas histórias de amor. Porque um grande amor é feito de muitas histórias. Você, Luana, certamente conquistou o coração da Paulinha porque é tudo o que viveu. Todas as suas histórias, suas construções, seus sonhos e desventuras também. Então, você traz consigo muitos amores. Uma bagagem linda! Você, Paulinha, da mesma forma, traz sua experiência, sua vivência, sua história.
Eu sempre digo que a gente casa com as nossas vidas inteiras, ou com a síntese delas.
E como toda história de amor que se conta, vou começar com a frase emblemática. Era uma vez...
Era uma vez duas meninas. Duas mulheres inspiradoras. Era uma vez um sentimento que move e remove as pessoas por dentro e nos leva a lugares inimagináveis, a sensações novas, a realidades outras. Era uma vez o amor.
Era uma vez um amor que abriu porteiras, que ampliou horizontes. Um amor-janela, um amor-família. Um amor-abraço, um amor muitos braços. Um amor semente. Um amor florescer, um amor raiz.
Era uma vez um amor que teima. Um amor que rompe. Um amor que une. Um amor que segue em frente. Um amor coragem. Era uma vez um amor alegria. Um amor celebração. Um amor tamanho. Um amor paixão.
Cada uma e cada um de nós sabe aqui um pedacinho desta história. Cada uma e cada um de nós que aqui está é um pedacinho desta história também. Somos pecinhas de um quebra-cabeças imenso, uma rede de afeto potente.
Esta história não tem ponto final, mas ponto de partida.
O amor é criativo, é construção. É vontade e escolha. É arbítrio e abraço. Abraçar uma vida juntas, olhar uma para outra, acariciar o tempo com o olhar do transitório.
Eu, que há 24 anos experimento a aventura de viver a dois, posso aqui ousar em dar um conselho. Vocês não “acabaram” de casar. Esta é uma tarefa que não acaba. Casem todos os dias.
Isso mesmo. Casem sempre que puderem. Sempre que quiserem. Repactuem. Se reapaixonem. Casem cada vez com uma face diferente da outra. É preciso criatividade para casar inúmeras vezes com a mesma pessoa. Casem com as coisas simples. Com as delícias da rotina.
A gente casa com o bom humor, mas também com o abuso. A gente casa com o riso e com o choro. A gente casa com a monotonia e a aventura. A gente casa por teimosia mesmo. Era isso... se me perguntarem qual é o ingrediente mais importante do amor, minha resposta, sem titubear, é: a teimosia. Teimar e acreditar. Teimar e tentar novamente. Teimar e recomeçar. Teimar e amar. Teimar e amar. Teimar e amar.
E que os laços nunca virem nós; Que “nós” seja sempre a expressão que defina vocês e não imbróglios a serem resolvidos. Que permanente seja sempre o momento vivido agora, não as angústias do passado ou a ansiedade pelo futuro.
Hoje é a grande festa, mas o mistério da vida é renovado a cada dia. Nunca digam: sou casada, mas: estou casada. Invistam na impermanência, na necessidade de renovar, de conquistar, de ampliar os horizontes, de nutrir a relação para que cresça e fortifique.
O mistério do amor, este sentimento sem muro, deve ser irmão do encantamento e muito, muito próximo à liberdade.
Algum poeta disse que amar não é olhar uma para outra, mas ambas na mesma direção. Sempre penso nisso, mesmo sendo uma frase que soe banal, que ilustrava aqueles papeis de carta que a gente colecionava na infância... Olhar uma para outra é fundamental. Mas ver o mesmo mundo à sua volta, a paisagem ao redor, é revelador. É fortalecedor. É cúmplice. Sejam parceiras, comparsas, uma da outra.
Na minha presunção, sigo aconselhando que vocês duas acordem todos os dias com a perspectiva de uma nova vida. Assim como a inspiração e a expiração, assim como o dia e a noite, assim como o tempo irremediavelmente segue seu percurso.
Um escritor que admiro muito, Ronaldo Brito, que é cearense, mas mora há anos no Recife, diz uma frase que muito me toca: "os lugares que não existem são muito, muito mais bonitos do que os lugares que existem"
Os lugares que não existem podem ser o universo de vocês duas, um lugar imenso e profundo, que somente quem tem a chave pode entrar.
E que vocês sejam felizes sempre. Desde sempre. Até a finitude do amor, este sentimento com vocação para ser eterno.
amém.
Que alegria reunir todas e todos neste cenário tão lindo e significativo, construído com amor, partilhado por tantos e tantas de nós. Acredito que muitos e muitas aqui têm histórias pra contar que viveram nesta casa, neste jardim.
Quem está aqui pela primeira vez, seja bem vindo e bem vinda à vivenda Tesser, mais que uma casa, um endereço de acolhimento, que muito me diz sobre generosidade e acolhida.
Paula e Luana, que emoção, que gratidão, que imensidão ver vocês duas aqui na minha frente, mãos dadas, olhos brilhando!
A Paula é para mim uma dessas pessoas fundamentais na vida. Fundamental para a minha alegria, fundamental para o meu futuro. Quis esta mesma vida que, vindas de uma mesma família, ainda com toda esta identificação, tivéssemos morado apenas 8 meses na mesma cidade nesses 40 anos mais ou menos que nos conhecemos.
Paulinha, minha prima virou irmã, minha prima gêmea, como costumamos nos chamar. Talvez a maior testemunha da minha vida inteira, com quem eu divido sonhos e tristezas, com quem comungo tantas alegrias! Lua, esta mulher inteira, forte, pernambucana feito eu! Calhou de a vida dar um monte de voltas e vocês estarem aqui, juntas, celebrando este momento.
Paulinha, é inevitável num momento como este lembrar da nossa infância, de quando brincávamos, duas meninas com apenas uma bicicleta, a gente com 9 ou 10 anos, dividíamos de forma igualitária as voltas que dávamos. Não importava de quem fosse a bicicleta.
Queria também lembrar como sempre dividimos as roupas que levávamos pras viagens de férias. Era divertido. Era genuíno. Era generosidade pura. É engraçado que, mesmo quando fizemos ao longo da vida escolhas distintas, foi como se complementássemos as nossas existências. Eu, que fui mãe cedo de dois meninos, você, mãe mais tardia de duas meninas. Vivencis distintas, igualmente ricas, que compartilhamos com tanto amor! Como se a gente emprestasse uma a outra as experiências diversas que a vida nos oferece.
Confesso que quando recebi o convite de estar aqui, celebrando esta união, tremi. De gratidão, de felicidade, mas também de medo. Escolher as palavras bonitas e verdadeiras, um significado que possa marcar o dia, edificar um momento especial, é um desafio. Receber de vocês a missão de falar hoje aqui nesta cerimônia é mais que um presente. É a celebração deste amor que nós nutrimos, desta confiança, desta linda amizade.
Quero, antes de continuar esta história, pedir uma bênção. Porque aqui conosco estão pessoas que pelo amor nos conduziram e nos formaram. Exemplos, referências, portos seguros, âncoras, gurus. Meus tios Rita e Ozir, minha querida Tequinha, peço a vocês a sabedoria para unir estas duas meninas.
Nara, Flora e Antônia, minhas sobrinhas! Estar aqui com vocês é lembrar o quanto é importante esta troca de amor, a construção desta família tão linda e tão cheia de afeto. Quero pedir a vocês três também bênção e inspiração.
Bênção do mar, da força incrível que vem dos oceanos e da brisa que nos envolve neste momento. A força da natureza, grande mãe inspiradora e condutora da vida!
Eu vim aqui contar uma história de amor. Ou muitas histórias de amor. Porque um grande amor é feito de muitas histórias. Você, Luana, certamente conquistou o coração da Paulinha porque é tudo o que viveu. Todas as suas histórias, suas construções, seus sonhos e desventuras também. Então, você traz consigo muitos amores. Uma bagagem linda! Você, Paulinha, da mesma forma, traz sua experiência, sua vivência, sua história.
Eu sempre digo que a gente casa com as nossas vidas inteiras, ou com a síntese delas.
E como toda história de amor que se conta, vou começar com a frase emblemática. Era uma vez...
Era uma vez duas meninas. Duas mulheres inspiradoras. Era uma vez um sentimento que move e remove as pessoas por dentro e nos leva a lugares inimagináveis, a sensações novas, a realidades outras. Era uma vez o amor.
Era uma vez um amor que abriu porteiras, que ampliou horizontes. Um amor-janela, um amor-família. Um amor-abraço, um amor muitos braços. Um amor semente. Um amor florescer, um amor raiz.
Era uma vez um amor que teima. Um amor que rompe. Um amor que une. Um amor que segue em frente. Um amor coragem. Era uma vez um amor alegria. Um amor celebração. Um amor tamanho. Um amor paixão.
Cada uma e cada um de nós sabe aqui um pedacinho desta história. Cada uma e cada um de nós que aqui está é um pedacinho desta história também. Somos pecinhas de um quebra-cabeças imenso, uma rede de afeto potente.
Esta história não tem ponto final, mas ponto de partida.
O amor é criativo, é construção. É vontade e escolha. É arbítrio e abraço. Abraçar uma vida juntas, olhar uma para outra, acariciar o tempo com o olhar do transitório.
Eu, que há 24 anos experimento a aventura de viver a dois, posso aqui ousar em dar um conselho. Vocês não “acabaram” de casar. Esta é uma tarefa que não acaba. Casem todos os dias.
Isso mesmo. Casem sempre que puderem. Sempre que quiserem. Repactuem. Se reapaixonem. Casem cada vez com uma face diferente da outra. É preciso criatividade para casar inúmeras vezes com a mesma pessoa. Casem com as coisas simples. Com as delícias da rotina.
A gente casa com o bom humor, mas também com o abuso. A gente casa com o riso e com o choro. A gente casa com a monotonia e a aventura. A gente casa por teimosia mesmo. Era isso... se me perguntarem qual é o ingrediente mais importante do amor, minha resposta, sem titubear, é: a teimosia. Teimar e acreditar. Teimar e tentar novamente. Teimar e recomeçar. Teimar e amar. Teimar e amar. Teimar e amar.
E que os laços nunca virem nós; Que “nós” seja sempre a expressão que defina vocês e não imbróglios a serem resolvidos. Que permanente seja sempre o momento vivido agora, não as angústias do passado ou a ansiedade pelo futuro.
Hoje é a grande festa, mas o mistério da vida é renovado a cada dia. Nunca digam: sou casada, mas: estou casada. Invistam na impermanência, na necessidade de renovar, de conquistar, de ampliar os horizontes, de nutrir a relação para que cresça e fortifique.
O mistério do amor, este sentimento sem muro, deve ser irmão do encantamento e muito, muito próximo à liberdade.
Algum poeta disse que amar não é olhar uma para outra, mas ambas na mesma direção. Sempre penso nisso, mesmo sendo uma frase que soe banal, que ilustrava aqueles papeis de carta que a gente colecionava na infância... Olhar uma para outra é fundamental. Mas ver o mesmo mundo à sua volta, a paisagem ao redor, é revelador. É fortalecedor. É cúmplice. Sejam parceiras, comparsas, uma da outra.
Na minha presunção, sigo aconselhando que vocês duas acordem todos os dias com a perspectiva de uma nova vida. Assim como a inspiração e a expiração, assim como o dia e a noite, assim como o tempo irremediavelmente segue seu percurso.
Um escritor que admiro muito, Ronaldo Brito, que é cearense, mas mora há anos no Recife, diz uma frase que muito me toca: "os lugares que não existem são muito, muito mais bonitos do que os lugares que existem"
Os lugares que não existem podem ser o universo de vocês duas, um lugar imenso e profundo, que somente quem tem a chave pode entrar.
E que vocês sejam felizes sempre. Desde sempre. Até a finitude do amor, este sentimento com vocação para ser eterno.
amém.
sábado, 12 de maio de 2018
Egotrip
Foi um ano de perdas e ganhos.
Um ano de tantas voltas! E tantas emendas de vida!
Um ano de tantas voltas! E tantas emendas de vida!
O meu ano começou com festa. De arromba. Foi uma festa de
despedida de um momento da vida. Toquei ao piano a valsa do Adeus. Foi por
acaso, mas não foi aleatório. Foi como se aos 45 eu fechasse livros, ciclos,
possibilidades. Foi como se eu reunisse gente querida pra dizer que dali pra
frente seria diferente.
A festa que bombou na rua da Glória foi a vernissage da
minha metamorfose. Foi um ano de menos medo. Menos solidão. Mais força. E um
ano anunciando uma mulher madura, minha festa de debutante para apresentar quem
eu sou.
Apostando no ciclo virtuoso do amor como escudo a todo o
resto negativo. Dando a cara a tapa na vida, abrindo as opiniões e enchendo os
pulmões para dizer: que felicidade não ser unanimidade! Que alegria ter as
minhas!
No meu mundo ideal todas as pessoas são felizes, mas tenho
as minhas. Tenho a lista dos afetos.
Foi um ano de lagarta, me assustando com minhas reações, não
entendendo a solidão voluntária de tantos momentos prazerosos. Demorou. Mas
caiu a ficha. Quando as asas surgiram, coloridas e para o mundo, entendi.
Sou uma mulher madura que quer ser feliz. Só quero do meu lado
gente que me faz bem. Só patrocino alegrias inteiras.
Sim, tem gente que eu
prefiro não falar. Algumas, preferia nem conviver.
O "Não" dito docemente é um remédio eficaz!
O "Não" dito docemente é um remédio eficaz!
E uma alegria em pleno inferno astral me soa fora de hora!
Como se eu tivesse tomado uma vacina. Não me iludo. Continuo saudosista,
continuo nostálgica. Continuo com uma lágrima sempre pronta a explodir. Mais de
alegria que de tristeza.
Mas tem um poder, aquele de saber que o abismo é sempre mais
à frente, que tudo passa, que o tempo não vai parar pra enxugar as minhas
lágrimas e que, por isso mesmo, talvez seja o meu maior aliado. Sim! Eu marcando na folhinha os 46 anos, estou aliada ao tempo.
Foi um ano em que comecei a ouvir minha própria voz. Um ano
em que deixei que outras pessoas também a ouvissem. Minhas ideias que sempre
pulularam entre o peito e a mente, agora saem pela boca.
E se me perguntarem o que vai ser daqui pra frente, nem sei
responder. Mas sei que daqui pra frente sou eu. Eu com minha verdade vital. Eu
com a coerência de quem é controversa.
Muito prazer! Eu sou eu mesma. Vou comemorar com uma festa
bem íntima o bem que eu tenho me feito. Os horizontes andam se abrindo. E vejo
novas visões. Capto momentos com uma sintonia mais fina.
O corpo, este tem mudado. E eu tenho uma enorme gratidão por
tudo o que ele me faz. Me leva, me deita, me dá prazer. Uma parceria das antigas.
Sigo. E somente por isso, tudo já está valendo a pena.
Sigo. E somente por isso, tudo já está valendo a pena.
quinta-feira, 19 de abril de 2018
I have a dream.
Sonhar que voa, que quer ser outra pessoa, mudar de nome, de
identidade, um cabelo mais preto, tocar um instrumento....
Um que seja, você tem?
Na aula de inglês, gente jovem se capacitando, ficando até
tarde da noite, três horas de aula seguidas... it’s hard....
Quando o Teacher pergunta “What’s your dream?”, responde o
silêncio.
Ele flexibiliza pra resposta ser em portuguese. Silêncio na
língua nativa.
Eu vendo sonhos.
Na sala, cadeiras dispostas em círculos, a energia não flui.
Constrangidos, os alunos se entreolham. Um mais ousado salta: sonho ter
dinheiro de pagar as contas. A outra responde: sonho em me aposentar.
Eu fiquei com vergonha de falar dos meus. Já realizei um
monte deles. Ter filho, morar fora do país, cantar, representar, dormir na
praia. E tenho outro lote.
Respondi, assim, tímida: I dream to learn English. Nem sei
se estava certa a frase.
E a turma fez um levante geral. Não, não foi porque acharam
que eu bajulei o professor. Foi porque eles odeiam, não suportam a língua anglo
saxã. Mudou o foco.
E se não gosta, porque ficar até tarde na terça-feira
ralando pra aprender? Porque passar o tempo investindo no que não se ama?
Do you have a dream?
Eu coleciono os meus.
- Pro currículo é bom.
- Preciso passar num concurso público
- Todo mundo fala inglês
- Meu salário pode melhorar com o certificado
- Eu acho feio, mas necessário falar inglês.
Gays!
It’s true! Tudo que falaram é verdade, mas pragmático.
Tudo cabe no sonho de um sonhador.
Onde foi que desaprendemos a sonhar? Onde foi que nos
encarceraram na realidade?
Faz 50 anos que Luther King foi assassinado por sonhar um
mundo sem barreiras de cor, raça.
E a gente sonhando em pagar o boleto da luz.
sexta-feira, 6 de abril de 2018
Esquerda
Você samba de que lado?
Que bloco é o da sua rua?
Que luta é a do seu braço?
Que mundo cabe no seu ideal?
Qual é o país que constroi o seu futuro?
Hoje acordei com vontade de dizer a quem quiser ouvir que eu tenho lado.
Eu não escolhi a esquerda. Eu sou de esquerda.
Ser de esquerda não se compara a escolher qual cordão você vai dançar no pastoril.
Não tem relação com que time você prefere.
Eu não conseguiria sambar do outro lado porque acredito neste. Acredito num projeto de mundo pra geral, que diminua as desigualdades, que aumente as oportunidades, que não privilegie quem sempre teve privilégios.
Ser de esquerda não é ser apenas de um partido político. É enxergar nas organizações instrumentos de inclusão e de luta.
Nasci numa família que discute política na mesa de jantar. Ainda ficava de ponta de pé pra alcançar o tampo da mesa e o assunto era a ditadura e a resistência. Tinha sempre violão e política na roda.
Política não é um projeto pessoal. É um projeto de vida.
Por isso hoje, neste 06 de abril, acordei querendo falar que meu lado continua o mesmo. Que sigo reapeitando todos os lados, quase todas as convicções.
A primeira vez que me "meti" em política longe da mesa dos meus pais, devia ter uns 10 anos. Fui discutir na cantina do colégio.
Depois foram muitas as campanhas, os ciclos, e eu sempre me perguntando porque acabava militando e trabalhando "nisso".
Acordei hoje no terreno da convicção. Sou "isso".
É no momento mais duro que a gente se reconhece, pensei.
E eu, que nem sei sambar direito, tenho lado. Continuo passando o café e discutindo politica com meus filhos. Com Rinaldo Silva. Com meus irmãos. Com os amigos.
Assim seja sempre.
Que bloco é o da sua rua?
Que luta é a do seu braço?
Que mundo cabe no seu ideal?
Qual é o país que constroi o seu futuro?
Hoje acordei com vontade de dizer a quem quiser ouvir que eu tenho lado.
Eu não escolhi a esquerda. Eu sou de esquerda.
Ser de esquerda não se compara a escolher qual cordão você vai dançar no pastoril.
Não tem relação com que time você prefere.
Eu não conseguiria sambar do outro lado porque acredito neste. Acredito num projeto de mundo pra geral, que diminua as desigualdades, que aumente as oportunidades, que não privilegie quem sempre teve privilégios.
Ser de esquerda não é ser apenas de um partido político. É enxergar nas organizações instrumentos de inclusão e de luta.
Nasci numa família que discute política na mesa de jantar. Ainda ficava de ponta de pé pra alcançar o tampo da mesa e o assunto era a ditadura e a resistência. Tinha sempre violão e política na roda.
Política não é um projeto pessoal. É um projeto de vida.
Por isso hoje, neste 06 de abril, acordei querendo falar que meu lado continua o mesmo. Que sigo reapeitando todos os lados, quase todas as convicções.
A primeira vez que me "meti" em política longe da mesa dos meus pais, devia ter uns 10 anos. Fui discutir na cantina do colégio.
Depois foram muitas as campanhas, os ciclos, e eu sempre me perguntando porque acabava militando e trabalhando "nisso".
Acordei hoje no terreno da convicção. Sou "isso".
É no momento mais duro que a gente se reconhece, pensei.
E eu, que nem sei sambar direito, tenho lado. Continuo passando o café e discutindo politica com meus filhos. Com Rinaldo Silva. Com meus irmãos. Com os amigos.
Assim seja sempre.
terça-feira, 13 de março de 2018
Carta ao filho caçula, adulto
Filho,
Faz algumas noites que sonho com você. Um sonho tranquilo,
de ressignificação, de repactuação. Um sonho que se repete. O sonho nada mais é
do que nosso retrato inconsciente, o subconsciente mandando recados, sinais.
Pois bem. Este sonho repetitivo começa com você pequeno, uns
3 anos. Entro no seu quarto e tem uma fila de carrinhos pelo chão. Me ofereço
pra brincar e você me responde: “Já tô brincando, né, mãe?” Esta cena é a
reprodução do que realmente acontecia. O sonho me fez lembrar a cena. No sonho, eu saio de fininho pra não te
atrapalhar, achando tão, tão bonito essa tua independência. Na vida real, eu te
olhava e saia de mansinho também.
No sonho, “corta” pra uma cena de você grande, tocando no
palco, no seu mundo.... e eu venho entendendo que são outros sonhos e que de
alguma forma, você quer brincar esta brincadeira sozinho.
Este sonho tem me levado a um lugar muito, muito profundo,
Luís. Um lugar que me faz constantemente a pergunta: será que fui uma mãe à sua
altura? Será que, como mãe, eu fui competente o suficiente pra te amparar? Será
que todo o amor que eu sinto (e que é imenso), eu consegui traduzir em atos e
exemplos pra você?
Este amor, meu filho, só cresce, em admiração, em desejo de
troca.
Depois da terceira vez que sonhei, decidi escrever este
texto. Uma carta ao meu filho adulto. Uma carta ao caçula, que certamente teve
dificuldade de crescer e se libertar das amarras da maternidade.
Hoje, eu, que fui sua mãe tão nova, tão cedo, percebo que temos
um grande caminho pela frente. Quero estar do seu lado na sua vida, mas não
mais na sua frente. Quero ser escada, trampolim, quero ser coadjuvante, não
mais a principal.
A vida, meu filho, está nas suas mãos. As luzes da minha
ribalta começam a amainar. A maturidade nos traz um desejo de paz.
Você tem a estrada iluminada pela frente. Com todas as
lutas, conquistas e histórias a construir.
Cuide dos que você ama, mas sobretudo, cuide de você.
Eu estarei sempre no mesmo lugar. Braços abertos. Mãos solícitas
e um desejo imenso de contribuir e ser figurante no teu protagonismo.
Se um dia você sentir vontade, podemos conversar
pessoalmente. Se um dia você sentir vontade, podemos apenas nos olhar.
Não precisa responder a esta mensagem, se não quiser. Apenas
escrevi porque acho que dificilmente eu conseguiria te contar tudo isso
falando, porque a fala é sempre pra mim mais subjetiva que a escrita.
Mas voltando ao sonho, sempre acordo dele com um sentimento
lindo de mansidão, de paz e de amor. Espero ter refletido este sentimento aqui.
Espero, para além do sonho, a realização dele.
Beijo.
domingo, 4 de março de 2018
#eufeminista
Era uma opinião. Era uma expressão, calcada na minha convicção de vida. Ancorada nos desalentos e desdenhos vividos em inúmeros, diversos momentos. Cada momento tem seu tempo. Alguns são átimos. Outros, segundos, dias, noites longas, beijos curtos.
Tudo constrói o hoje. O amanhã é o agora que ainda não chegou. Foco no dia que vivo. E o dia era aquele.
Sentada na mesa, a taça de vinho no terceiro refil tinha minha marca: batom rosa nas bordas, beijos desiguais. Éramos seis a brindar.
Eu ando há uns anos me enfronhando pelas trilhas da feminina. Um roteiro subjetivo, impreciso e profundo. Não cheguei na rota decidida. Custo a definir, na verdade, como dei o primeiro passo. Talvez cansada de tanto abuso. Aos 11 anos, ja colecionava histórias que nunca podiam ser contadas nas rodas de amigos. Eram segredo, quase culpa dos meus olhos verdes. Endureci aos poucos, contrariando a minha natureza. Acabei vestindo o manto da responsabilidade que as vítimas não deveriam ter.
Voltando à mesa, num lapso de mais de 30 anos, me alegram as conversas, o direito à opinião, o exercício do diálogo. Do meu lugar de fala, do meu corpo posto na luta, exponho minha razão. As mulheres na mesa se apressam e seguem para a cozinha com as travessas mexidas do almoço.
Eu prefiro mexer nas feridas. Falo como é dificil andar nas ruas. Que nossa luta é por ter a cidade, andar, pertencer. É ganhar o justo, trabalhar o certo.
Os homens na mesa nunca precisaram baixar a cabeça e sair da calçada porque tinham medo de assédio. Nenhum deles sabe o que
é ter medo da recente gravidez naquele ano que finalmente assinaram sua carteira.
Segui firme no debate, crente que estava na seara da palavra. Até que um deles, já sem argumento, blasfema: da próxima vez que vier aqui, vou me certificar da sua ausência. Da cozinha, sua companheira salta: tais vendo que tem mulher pior que eu?
Entristeci.
As travessas mexidas da cozinha eram meu coração.
O silêncio.
E uma força me tomou. Endureci o peito. Engoli o choro. Ali era luta. Ergui a cabeça. Me abraçaram todas as companheiras que comigo constroem.
Eu, que timidamente me intitulava militante. Eu, que sempre tive medo do microfone. Eu, que coleciono histórias de assédio no meu silêncio.
Dei um passo à frente. Não virei feminista assim, num estalar de dedos. Foi uma subida íngreme... muitos degraus.
Mas ali cheguei em algum lugar. Vista para o mundo que quero construir.
Eu, feminista. Eu, mãe. Eu, mulher.
Tudo constrói o hoje. O amanhã é o agora que ainda não chegou. Foco no dia que vivo. E o dia era aquele.
Sentada na mesa, a taça de vinho no terceiro refil tinha minha marca: batom rosa nas bordas, beijos desiguais. Éramos seis a brindar.
Eu ando há uns anos me enfronhando pelas trilhas da feminina. Um roteiro subjetivo, impreciso e profundo. Não cheguei na rota decidida. Custo a definir, na verdade, como dei o primeiro passo. Talvez cansada de tanto abuso. Aos 11 anos, ja colecionava histórias que nunca podiam ser contadas nas rodas de amigos. Eram segredo, quase culpa dos meus olhos verdes. Endureci aos poucos, contrariando a minha natureza. Acabei vestindo o manto da responsabilidade que as vítimas não deveriam ter.
Voltando à mesa, num lapso de mais de 30 anos, me alegram as conversas, o direito à opinião, o exercício do diálogo. Do meu lugar de fala, do meu corpo posto na luta, exponho minha razão. As mulheres na mesa se apressam e seguem para a cozinha com as travessas mexidas do almoço.
Eu prefiro mexer nas feridas. Falo como é dificil andar nas ruas. Que nossa luta é por ter a cidade, andar, pertencer. É ganhar o justo, trabalhar o certo.
Os homens na mesa nunca precisaram baixar a cabeça e sair da calçada porque tinham medo de assédio. Nenhum deles sabe o que
é ter medo da recente gravidez naquele ano que finalmente assinaram sua carteira.
Segui firme no debate, crente que estava na seara da palavra. Até que um deles, já sem argumento, blasfema: da próxima vez que vier aqui, vou me certificar da sua ausência. Da cozinha, sua companheira salta: tais vendo que tem mulher pior que eu?
Entristeci.
As travessas mexidas da cozinha eram meu coração.
O silêncio.
E uma força me tomou. Endureci o peito. Engoli o choro. Ali era luta. Ergui a cabeça. Me abraçaram todas as companheiras que comigo constroem.
Eu, que timidamente me intitulava militante. Eu, que sempre tive medo do microfone. Eu, que coleciono histórias de assédio no meu silêncio.
Dei um passo à frente. Não virei feminista assim, num estalar de dedos. Foi uma subida íngreme... muitos degraus.
Mas ali cheguei em algum lugar. Vista para o mundo que quero construir.
Eu, feminista. Eu, mãe. Eu, mulher.
domingo, 11 de fevereiro de 2018
Conto de carnaval
Era eu.
Eu, vestida numa saia de forro dourado e umas pérolas bem falsas aplicadas no tule preto, que eu comprei numa loja evangélica na rua Nova. Eu, com a tal saia sacra, com uma blusinha de lamê dourada frente única profana, que eu comprei na costureira da esquina. Eu, com a saia sacra, a blusa profana, o coração de quem já tem mais da metade da vida de carnavais brincados, pulados, amados, poetizados. Eu, com a roupa sacro-profana na festa mais mundana do calendário religioso. Uma pena lilás na cabeça, e cílios postiços da mesma cor, e meia arrastão fazendo o degradê. Para completar, maquiagem preta e roxa, feita por mim e finalizada pelas amigas que foram no esquenta tomar a sopa da sustância lá em casa. Sapatilha lilás nos pés que já completava três carnavais.
Eu, vestida numa saia de forro dourado e umas pérolas bem falsas aplicadas no tule preto, que eu comprei numa loja evangélica na rua Nova. Eu, com a tal saia sacra, com uma blusinha de lamê dourada frente única profana, que eu comprei na costureira da esquina. Eu, com a saia sacra, a blusa profana, o coração de quem já tem mais da metade da vida de carnavais brincados, pulados, amados, poetizados. Eu, com a roupa sacro-profana na festa mais mundana do calendário religioso. Uma pena lilás na cabeça, e cílios postiços da mesma cor, e meia arrastão fazendo o degradê. Para completar, maquiagem preta e roxa, feita por mim e finalizada pelas amigas que foram no esquenta tomar a sopa da sustância lá em casa. Sapatilha lilás nos pés que já completava três carnavais.
Eu, toda paramentada para a festa sagrada. A concentração
do bloco na frente da igreja da matriz. Tanta gente linda! Minha licença poética
de ver o mundo todo decorado de luz e brilho. Começa a orquestra, rasgando a Rua da Imperatriz, abrindo caminhos entre os sobrados. Um bloco inesquecível
como tantos. E o milagre do carnaval. Festa sagrada tem que ter milagre. Da vida. Das pessoas. Permita-me o
lirismo, essa sou eu... você já sabe.
E a chuva vem batizar o cortejo, a procissão frenética. As gotas
desmantelam os cílios postiços. Devem estar agindo na purpurina preta
brilhante que desenha ondas no meu rosto. Pouco importa. Me meto no meio do
furdunço da orquestra. Aquele aperto, aquele limite entre o desespero
de não poder sair e a alegria de querer que ficar. Canto em coro alucinada “ai meu
bem sem vocêee não há carnaval, vamos cair no passo e a vida gozar...” e a
sapatilha do pé direito, já encharcada, ganha outro rumo. Não demora e a outra
também é arrancada do meu pé. Saio da massa de gente toda feliz, perdi a
sapatilha de três carnavais. Foi momo quem levou. Piso nas pedras da Imperatriz,
cruzo a ponte de ferro. A esta altura, não sabia onde estavam os amigos, não
sabia onde estava meu amor. Carnaval, esqueci de dizer, pra mim é melhor com o
amor.
Com tanta expertise no assunto, continuei o desfile feliz. Sem
sapato...sozinha pela multidão. Aproveitei o descanso da orquestra (tocador quer beber),
ali pertinho da Guararapes, procurei um cantinho mais resguardado e tirei de
dentro da saia sacra (ou já estaria profana?) uma bolsinha para tentar ligar para
alguém. Tudo molhado. Tanto, que quando puxei o celular, vieram junto,
grudadinhas, duas notas de 20 contos..O dinheiro caiu no
chão. Antes mesmo que eu pegasse, um mané que passava se
atravessou e resgatou as cédulas. Eu falei “moço, este dinheiro é meu”.
E ele, mais malandro impossível: “prove que é seu”. Tudo o que eu tinha. Quis provar nada. Ele se
foi. E eu ainda sob o efeito do espírito carnavalesco, fiquei sem sapato e sem
dinheiro em plena Guararapes... A chuva benzia tudo.
Uma senhorinha chegou junto de mim:"Tava aqui catando as latas, mas vi tudo". E eu: "pois é.... ", toda lesa. Ela
se ofereceu para me pagar uma coca, ficar comigo até aparecer alguém conhecido.
Coisa linda! Trocamos umas frases, uns sorrisos e a companhia.
Não demorou,
passou uma galera. Abracei aquela anja, caí no frevo. Os amigos já me deram 10
reais.Tô no lucro!!!!! Segui cantando, dançando...num deu muito tempo, encontrei meu amor.
Oba!!!! gente se encontra e se desencontra mas não se perde.
A gente só perde o que não é nosso, dizem por aí... filosofia barata à parte, passamos frevando pela Pracinha do Diário. E mais uma ponte, abrindo alas para a entrada na Ilha do Recife.
Gosto
particularmente da Ponte Mauricio de Nassau. Ela tem cheiro de maresia. Rio e mar se misturando numa dança sem fim. Parece a gente no meio da orquestra. Deve ser o frevo
da água salgada do mar com a água doce do Capibaribe. Eita Recife!!!!
Poesia à parte, meus pés já começavam a doer. É que as
pedrinhas do asfalto da ponte são pequeninas. Machucam pra valer. Já tava
cogitando voltar pra casa, a meia lilás ficando preta... Aí encontro uma amiga
no pé da ponte. No meio da conversa, ela vê meus pés descalços, saca da mochila
um par de sandálias e me dá. Meu númeroooooo!!! E ainda combina com minha
fantasia!!!
No meio do bloco, voltei a pular. Tudo que é meu, pra mim
voltou. O carnaval que embriaga de alegria, também abraça e aquece o coração. Meu
conto, minha história da vida normal, meu milagre diário. Salve o meu
carnaval!!!!
domingo, 7 de janeiro de 2018
2018....
2018. Ano par.
Mais que nunca precisamos dar as mãos.
Mais um.
Menos um.
Na dança ritmada do tempo, vale o balanço do que se foi.
Vale a esperança para o que virá.
A mania que a gente tem de repartir o tempo, fatiar os sonhos e encher os pulmões.
Não se doma o tempo, modo contínuo. Contamos os anos e o tempo se conta em nós. No cabelo que prateia, na vista que embaça, na experiência inegociável!
Pois que o novo fôlego venha com tolerância ao próximo.
Que traga um hálito de paz.
E sejamos inteiros.
Desejo para 2018 o de sempre, para sempre: coragem de ser. Amor pra lascar. E força pra seguir lutando.
A vida não tira férias.
Mais que nunca precisamos dar as mãos.
Mais um.
Menos um.
Na dança ritmada do tempo, vale o balanço do que se foi.
Vale a esperança para o que virá.
A mania que a gente tem de repartir o tempo, fatiar os sonhos e encher os pulmões.
Não se doma o tempo, modo contínuo. Contamos os anos e o tempo se conta em nós. No cabelo que prateia, na vista que embaça, na experiência inegociável!
Pois que o novo fôlego venha com tolerância ao próximo.
Que traga um hálito de paz.
E sejamos inteiros.
Desejo para 2018 o de sempre, para sempre: coragem de ser. Amor pra lascar. E força pra seguir lutando.
A vida não tira férias.
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