Você saiu.
Por dentro, um tambor ritmava a música da vida. Reverberando no corpo todo, acordando as células, abrindo as veias, levando um sangue novo. Por dentro havia oxigênio, finalmente.
Nada ficou de você comigo, a não ser os desenhos feitos aqui e acolá pela urgência da barba.
A não ser pelo cheiro, volátil, descomprometido, que impregnou no meu vestido. Aliás, passei o dia seguinte com aquele vestido, na doce tentativa de adiar a sua partida.
Você não deixou nenhum vestígio visível, nem sequer uma pasta de dente na pia. Uma toalha fora do lugar, talvez...Tinha um copo vazio sobre a mesa nua da sala, nada mais impessoal.
Por dentro, você inaugurou em mim a vontade de ser. A imensa capacidade de estar.
Confesso que sofri de um certo torpor. Isso sempre me acomete em momentos extremos de emoção. E ao longo do dia saí juntando as memórias, como quem arruma uma casa e recolhe objetos em desalinho depois de uma grande festa.
Um diálogo embaixo do piano, um beijo profundo jogado em cima da poltrona da sala. A minha fantasia e a tua espera no corredor.
A porta fechou.
A poesia desenhada na minha alma feminina é das mais profundas. A beleza de duas ou três horas vividas à revelia do destino, revolucionando as rimas.
Poesia abstrata, na pele concreta.
E voltamos a apertar as mãos na rua. Vamos falar de política nos bares, brindar e rir. Seguimos contando como estão os filhos, e como foi aquela semana de trabalho. Um dia, vamos nos abraçar e falar há quanto tempo não nos esbarrávamos.
São os caminhos da vida.
A arte dos desencontros.
A arte dos desencontros.
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