Esqueça. Eu tenho feito o exercício diário de esquecer
também.
No mundo inteiro, pessoas lutam, se exercitam, pra não
esquecer.
Enquanto eu afasto os pensamentos, outros se agarram
fervorosamente aos lampejos do presente.
Eu quero esquecer teu passado recente, teus devaneios
ébrios, as narrativas ao vento.
Esqueça. Eu tenho feito o exercício assiduamente. Antes de
esquecer, a gente lembra. Apagar a memória não é um projeto fácil. Nem uma
tarefa simples.
O pensamento compulsivo de esquecer, antes, exaure a
lembrança. Esgota.
Começa aos poucos. A cada dia você esquece um pouco. Um
cheiro, uma frase, aquele abraço.
Outro dia uma tia querida, revolucionária na juventude,
beirando os 85 anos, me falou assim: eu te amo tanto... mas não lembro mais teu
nome. Tanta poesia numa fala tão triste....Ela vibrando no amor, alimentando a vida, numa dignidade, numa necessidade de estar presente e inteira, mesmo quando vai se esvaindo o desenho da rotina. Sigo como sempre, desde criança, me inspirando nela.
Começa aos poucos, não esqueça.
Vou
esquecendo aos poucos. Ensinando o corpo a omitir. A mente, sigo doutrinando,
que nada de verdade aconteceu. Foi tudo um pesadelo daqueles que a gente acorda
jurando que era verdade. E de tanto repetir, vou acabar acreditando.
Aos poucos, apago também da alma. Bem aos poucos, como uma
borracha que, de tanto trabalhar, esquenta o papel, mas deixa seu rastro
borrado. Não é difícil esquecer um par de horas, aquela noite parca de luz.
Daqui a pouco, tudo não passa de uma mancha, uma aguada.
Esquecer é quarar com alvejante um tecido ao sol. Despigmentando seus corantes, amainando as vibrações.
Se alguma coisa ainda eu possa sugerir, nesta amnésia que vai
matando a história, antes que seja tarde, esqueça.
Melhor, enquanto ainda temos memória.
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