domingo, 26 de maio de 2019

Olhos de pimenta

Planta uma semente. Na sorte, ela vai brotar. Na sorte, ela floresce e frutifica. O que você fez além de regar, velar aquele surgir de vida?
Quase nada... regulou o sol, cuidou de uma praga que se avizinhava... mas a força da vida mora na semente, na planta, na flor, no fruto, na nova semente que se apresenta.
Faz um tempo, plantei uma semente de pimenta. Revolvi a terra, semeei, cuidei da luz, da sombra, comemorei cada nova folhinha. Ta linda. Mas não é minha. É dela mesma. Vou, com sorte, me deliciar com seu fruto. Vou, com sorte, temperar a vida com ela.
Suas folhas brilham de manhã, verde claro quase neon conversando com o sol. Verde conversando com meus olhos. Verde que espera, no seu tempo, chegar o tempo da colheita.
Suas flores mínimas, branquinhas com miolo amarelo tão singelo, guardam seu segredo:  de herança, fruto forte, vibrante, ardente.
Amo a pimenteira. Talvez meu amor resida em mim mesma.
Amo a pimenteira pelo que tem de semelhança com a minha vida. Meus frutos, minhas flores, minhas sementes... minhas folhas queimadas pelo sol, as novas brotando.
A cada nova safra, uma força a mais, um impulso de vida mais forte, um recomeçar. Semente que brota em pedra.
Somos pareias, eu e a pimenteira que semeei. Comparsas na viagem da vida, neste recomeçar absurdo. Nesta busca pelo tempo que se esvai a cada piscar.
Já dizia Clarice: “Não se preocupe em entender. Viver ultrapassa qualquer entendimento.”

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