Eu acordo muito cedo e corro para olhar o varal. A calça jeans, mais precisamente. Tinha estendido às 19h. Já percebi que às vezes ela seca, às vezes preciso passar o ferro bem quente pra ela estar prontinha. São umas 6h. Está meio úmida no cós e nas extremidades das pernas. Melhor ajudar a natureza. A noite foi úmida. Não choveu, a propósito. Mas quase sinto a gotas microscópicas suspensas no ar. Sinto a pele que encharca de um suor grudento. Sinto as nuvens densas. Um tipo de algodão doce que eu cortaria com uma faca, de tão sólidas.
Levanto da cama e os pés doloridos, o corpo relutante. Hoje é o dia 28. Quase um mês. As plantas dos pés demoram a aceitar o caminhar no piso de taco. Um ou outro solto. Um ou outro desnivelado. Um ou outro mais claro, mais escuro. Me sobra tempo hoje em dia para pensar nos tacos que cobrem o piso do apartamento. No caminho até a área de serviço. Passando pela cozinha, o piso fica vermelho, uns tijolinhos que já dão sinal de desgaste. Uns, meio desbotados, mais esbranquiçados. Quem olha pra isso? Eu vejo recados do tempo.
Chegando na área de serviço, o varal. Colorido, nossas histórias pingando e cheirando a amaciante. Quarando. Nunca, nunca um varal teve tanto significado. Nunca nossos corpos foram tão bem representados, presos por pregadores de plástico. Ligo o ferro e deixo esquentar. O contato com a calça úmida faz subir um leve vapor. Estado gasoso da água. Devolvo a calça pro lugar que estava pra pegar um ar.
Eu tenho procurado valor em cada gesto cotidiano. Na cozinha, a alquimia do afeto que cura. O sabor que une. A memória do perfume que transporta. Na arrumação da casa, o aconchego. No varal, nossas roupas limpas, a renovação, o “começar de novo”. Esta rotina limitada aos metros quadrados da casa. Eu canto a minha aldeia, num tempo em que o espaço físico-geográfico perdeu seu sentido.
Uma vez por dia abro a porta do apartamento e passeio pelo jardim. Levo Bangu pra respirar. Motor, o gato, fica emoldurado pela grade da janela. Pela tela que tudo envolve. É a nossa rotina. Bangu fareja as flores, come umas folhinhas de cidreira. Eu acho curioso. Onde já se viu cachorro gostar de comer ervas?
Geralmente saímos quando o dono da calça jeans segue pro posto de saúde. Tem dia que o plantão é na UTI.... Banana comprida com canela, queijo assado, inhame, pão com geleia. O café é de lei. Não importa o cardápio. Importa sentar à mesa e trocar umas frases, olhar no olho e abençoar o dia. O meu e o dele.
Os minutos de diálogo à distância. “Não chega muito junto, mãe”. Sem beijo, sem abraço. O meu primeiro menino está no front. Ele segue doce e sereno. Nem sei se é assim somente quando está na minha frente. Não sei se de noite, de luz apagada, ele experimenta outros sentimentos. Eu tenho rezado. E cuidado. E velado. E acreditado. Todos os dias.
Mais tarde normalmente o meu outro filho acorda. Levanta e conta dos sonhos que teve. Fala de história, de política. Enche minhas horas de palavras, de ideias, de novos conceitos. Gosto de chegar perto e deixar a mente aberta. Deixar tudo fluir. São horas contadas em xícaras de chá. A noite, no jantar, procuro agradar ao nosso paladar. Tenho errado, a propósito. Tenho acertado também. Assim, como na vida. E o dia se vai.
Estamos confinados. Fazemos algum esforço pra não pirar. Respeitamos nosso silêncio. E a rotina quebrada, que buscamos alinhavar com o fio da delicadeza.
O tempo passa, invariavelmente. Outra unidade de vida é curtida nos potes da espera.
Levanto da cama e os pés doloridos, o corpo relutante. Hoje é o dia 28. Quase um mês. As plantas dos pés demoram a aceitar o caminhar no piso de taco. Um ou outro solto. Um ou outro desnivelado. Um ou outro mais claro, mais escuro. Me sobra tempo hoje em dia para pensar nos tacos que cobrem o piso do apartamento. No caminho até a área de serviço. Passando pela cozinha, o piso fica vermelho, uns tijolinhos que já dão sinal de desgaste. Uns, meio desbotados, mais esbranquiçados. Quem olha pra isso? Eu vejo recados do tempo.
Chegando na área de serviço, o varal. Colorido, nossas histórias pingando e cheirando a amaciante. Quarando. Nunca, nunca um varal teve tanto significado. Nunca nossos corpos foram tão bem representados, presos por pregadores de plástico. Ligo o ferro e deixo esquentar. O contato com a calça úmida faz subir um leve vapor. Estado gasoso da água. Devolvo a calça pro lugar que estava pra pegar um ar.
Eu tenho procurado valor em cada gesto cotidiano. Na cozinha, a alquimia do afeto que cura. O sabor que une. A memória do perfume que transporta. Na arrumação da casa, o aconchego. No varal, nossas roupas limpas, a renovação, o “começar de novo”. Esta rotina limitada aos metros quadrados da casa. Eu canto a minha aldeia, num tempo em que o espaço físico-geográfico perdeu seu sentido.
Uma vez por dia abro a porta do apartamento e passeio pelo jardim. Levo Bangu pra respirar. Motor, o gato, fica emoldurado pela grade da janela. Pela tela que tudo envolve. É a nossa rotina. Bangu fareja as flores, come umas folhinhas de cidreira. Eu acho curioso. Onde já se viu cachorro gostar de comer ervas?
Geralmente saímos quando o dono da calça jeans segue pro posto de saúde. Tem dia que o plantão é na UTI.... Banana comprida com canela, queijo assado, inhame, pão com geleia. O café é de lei. Não importa o cardápio. Importa sentar à mesa e trocar umas frases, olhar no olho e abençoar o dia. O meu e o dele.
Os minutos de diálogo à distância. “Não chega muito junto, mãe”. Sem beijo, sem abraço. O meu primeiro menino está no front. Ele segue doce e sereno. Nem sei se é assim somente quando está na minha frente. Não sei se de noite, de luz apagada, ele experimenta outros sentimentos. Eu tenho rezado. E cuidado. E velado. E acreditado. Todos os dias.
Mais tarde normalmente o meu outro filho acorda. Levanta e conta dos sonhos que teve. Fala de história, de política. Enche minhas horas de palavras, de ideias, de novos conceitos. Gosto de chegar perto e deixar a mente aberta. Deixar tudo fluir. São horas contadas em xícaras de chá. A noite, no jantar, procuro agradar ao nosso paladar. Tenho errado, a propósito. Tenho acertado também. Assim, como na vida. E o dia se vai.
Estamos confinados. Fazemos algum esforço pra não pirar. Respeitamos nosso silêncio. E a rotina quebrada, que buscamos alinhavar com o fio da delicadeza.
O tempo passa, invariavelmente. Outra unidade de vida é curtida nos potes da espera.
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