terça-feira, 16 de dezembro de 2008

o luto dos peixes



- Diga tudo, menos isso!!!!!
Assim começou nossa primavera em Paris.
Uma campainha tocou e uns minutinhos depois ouvi Rinaldo repetir:
- Diga tudo menos isso, cara!!!!!
Era semana santa. Uns 11 amigos decidiram aplacar nossa saudade do Brasil. Estávamos morando em Saint Denis, cidade pertinho de Paris. A gente morava com os dois meninos num apartamento que não tinha mais de 50 metros quadrados. Mas a vontade de ver todo mundo era maior. E a gente teve sorte. Os vizinhos tinham vindo ao Brasil passar férias. E não eram quaisquer vizinhos. Eram minha prima-irmã e o marido dela. Gente que nos acolheu quando chegamos na cidade luz. Eles nos cederam o apartamento de dois quartos, banheiro cozinha e sala pra acomodar nossa trupe visitante.
A porta continuava aberta. A esta altura, toda a população do apartamento “1” se aglomerava na porta principal para saber o que estava acontecendo. Eram duas adolescentes brasileiras (minha irmã e uma amiga), um casal ítalo-brasileiro, mais dois amigos e a filha que estavam morando em Londres, dois grandes amigos com a filhinha do Recife, sem contar o filho mais velho dela que era brasileiro e morava em Milão.
As refeições eram monumentais! Nossos passeios, divertidíssimos, sempre acompanhados de dúzias de sanduíches. A primavera de Paris tinha cores a mais. Entrávamos no metrô juntos, íamos ao supermercado em bando. Tudo muito familiar. Tudo muito legal.
Na primeira noite, arrumamos todos em seus colchões, beliches, colchonetes. O casal de Recife e os dois filhos foram pro apartamento da minha prima, porta com porta. Decidimos que não usaríamos a cozinha, pra não mexer em nada.
Instruímos o pessoal a alimentar os peixes vermelhos (Reco-reco e Bolão). Azeitona tinha morrido uns meses atrás. O aquário ficava no quarto do casal. Eu sabia que os peixes eram de estimação.
Pois eis que nosso amigo do apê ao lado estava justamente nos informando a morte de Bolão.
- Diga tudo menos isso, por favor!!!! Rinaldo foi entrando no apartamento vizinho e uma romaria o acompanhava. O peixe jazia no congelador.
Eles contaram que estavam os dois deitados na cama de casal quando perceberam que um dos peixes, o Bolão, estava meio estranho. Ele, digamos, estava relaxado demais.
- E agora? Compramos outro igual pra deixar no lugar?
- De jeito nenhum, cara! São de estimação!
Coube a mim dar a notícia fúnebre.
Liguei pro Brasil, onde o verão em Fortaleza devia estar fervendo.
- Alô, Paulinha? Tenho uma notícia pra te dar. Qual?
- ..... O peixe subiu no telhado....
- .... Silêncio
- Paulinha????
- Mana, deixa que eu dou a notícia pra ele.
Uns minutos depois o telefone toca. Rinaldo recebe as instruções. Foi na jardineira do banheiro, contou três dedos à esquerda do pé de cebola e “plantou” o peixinho.
Foi. Todo mundo constrangido.
Reco-reco sozinho no aquário não teve companhia pra aquela noite.
Nos apertamos todos num só apartamento pra dormir.
Há que se respeitar o luto dos peixes também.

quinta-feira, 11 de dezembro de 2008

QUERIDO PAPAI NOEL....




O clima era típico de natal.
Num sábado à tarde, shoppings coalhados de gente, cartões de crédito dançando em máquinas alheias, a família resolveu fazer um lanche.
Gente, gente, gente. Na entrada principal encontraram logo uma praça super iluminada, cores piscando, cheinha de renas, árvores com folhas de borracha e cobertas de neve de isopor.Uma fila circundava a pracinha de plástico. E ao final dela, Papai Noel, sentado numa poltrona vermelha e dourada, recebia os pequeninos.
De um lado, o filho mais velho, que não contava mais que seis anos, mas era muito espevitado, balançava seus cabelinhos de milho dourado e dizia:
-Papai Noel não existe! É um homem vestido feito uma fantasia de carnaval.
Com a mão firme à da mãe, o pequeno, que tinha uns 3 anos, nem pestanejou:
- Existe sim, né, mãe??
Instalou-se a polêmica. A mãe olhava pra os cílios grandes e os olhos redondos do caçula, ávido que a verdade fosse esclarecida... ao mesmo tempo, sabia que seu mais velho tinha convicção de que tudo não passava de uma brincadeira.
Pensou rápido. E arriscou:
- Filho, Papai Noel existe pra quem acredita nele.
Silêncio entre os três.
Mas a mente inquieta do mais velho disparou:
- Quero sair da fila!
Incontinenti, pegou a mão do pai e arrastou. Estes gestos decididos eram a sua marca.
A mãe ficou com o pequenino naquela fila lenta, lenta....
O menino não largou a sua mão em nenhum momento, e às vezes soltava uma frase do tipo:
- Ele não existe, mas eu quero ficar aqui.
Até que chegou a vez do menino de olhos pretos encontrar-se com o Bom Velhinho.
E o Papai Noel escondido na barba branca impecável, abriu logo um sorriso... para a mãe!
-Germana, há quanto tempo!
E o menino, indignado:
- Mamãe, você conhece Papai Noel e não me disse nada???????

..........

A mãe muda, sorria meio sem graça.
Com a mãozinha em concha escondendo a boca, o menino foi ao ouvido do homem para fazer-lhe uma confidência. Afinal estavam entre amigos.
- Olha, Papai Noel, eu tenho um irmão deste tamanho (disse se esticando todo pra cima) que não acredita em você não. Mas mande um presentinho pra ele mesmo assim, viu?
O Papai Noel, que tinha amizade com a mãe desde a época em que ela tinha arriscado a carreira de atriz de teatro, encheu-se de emoção. Com o menino já muito bem acomodado no colo, chamou o fotógrafo. Pediu um tempo para enxugar as lágrimas e disse ao pequeno:
- Esta foto eu mesmo vou mandar pelo correio pra sua casa, certo?
O pequeno estava feliz, realizado. Saiu de lá sabendo que não poderia revelar o segredo ao seu irmão mais velho, tão desejoso por entrar no mundo real e participar da vida dos adultos.
Mas que Papai Noel existe... ah... isso existe!

quarta-feira, 3 de dezembro de 2008

cola e chuva



Tinha um menino no sinal cheirando cola e imitando a Xuxa.
Ele cantava as músicas da loura milionária e as pessoas riam.
Chovia cântaros. Estávamos espremidos no abrigo da parada de ônibus.
As pessoas continuavam rindo daquela criança de mãos sujas.
Animado, o pequeno dizia: agora vou cantar Daniel. E entoava bem afinado o canto sertanejo-romântico. E as pessoas achavam mais graça. O cheiro da cola foi ficando forte.
O menino não era filho de ninguém. Nem sobrinho. Nem afilhado.
As pessoas continuavam rindo, mas todas de costas pra ele.
Se fosse meu filho, eu choraria.
Os ônibus passavam levantando água. E as pessoas ( são pessoas mesmo?!!) se espremiam mais ainda nos limites cobertos da parada.
Dei a mão sem saber pra onde o coletivo me levaria. Entrei e não perguntei nada a ninguém. Esperei um canto mais seguro pra descer.
Fugi da falta de amor e sensibilidade de tanta gente.
Fugi da minha covardia, mas ela veio comigo.

quarta-feira, 19 de novembro de 2008

vigio a vida

Arranco a raiz
Deixo a semente
Planto uma florzinha
Vigio a vida.
Na espreita
Deixo as cascas ao sol.
Na panela borbulha
A comida velada
E cultivada.
Arranco a raiz
Cozinho em banho Maria
O que há de vir.

quinta-feira, 13 de novembro de 2008

pauta jornalística

Deu no jornal.
Foi manchete em letras vermelhas, garrafais.

MATOU O PAI COM QUEM TEVE 12 FILHOS

Sua dor, sua revolta, sua mágoa virou um romance. Um texto que ajuda a passar o tempo nas filas de banco, que acompanha o café da manhã e vira assunto entre motoristas de táxi e passageiros.
Seu tempo passou lerdo, mastigando a violência que descia quente por entre suas pernas e fazia filhos-irmãos.
Todos somos irmãos perante Deus, diziam.
Seu corpo fez 12 irmãos.
Até que, vendo um de seus frutos ameaçados pelo pai-avô, decidiu mudar o destino.
Pegou a peixeira. Aquela que por muitas noites esteve à sua mira e a fez sufocar os gritos de pavor. A lâmina que roçava seu corpo, enfiou-se na carne do homem.
Cessou seu sêmen e seu membro.
Senta agora confortavelmente no banco dos réus. Esta será uma tarefa bem mais fácil. Uma dor menor.
O julgamento dos juízes não chegou a tempo, quando ela era uma criança, depois uma adolescente e uma mulher a serviço dos prazeres do pai.

sexta-feira, 31 de outubro de 2008

Fortes são eles





São sete da manhã e a poeira vermelha incensa a W3.
A piaçava arranha o asfalto. São mãos calejadas conduzindo aquele balé medíocre. Paro no sinal vermelho para ver o espetáculo.Tudo perfeitamente orquestrado.
O sol ainda se levanta. A fumaça preta que sai dos ônibus é a aurora destas bandas. Não vejo o orvalho.
Nem mesmo as roupas já gastas, sujas, escuras e remendadas aqui e ali ofuscam a sua autoridade. É a sua casa. A árida W3 é seu lar. Os canteiros são jardins vistosos que abrigam revoadas de pombos. Sua sala, marquises velhas de concreto. Talvez os semáforos sejam luminárias finamente alinhadas para embelezar o ambiente.
Após o trabalho de limpeza matinal, senta-se no jardim dos pombos e desenha. Não importa se os papelões vieram do lixo. Se seu lápis é um caco de carvão enjeitado pelo fogo.
Suas imagens toscas viram raios curvos, pontos de fuga. Reprodução de seu mundo particular. Absorto em suas viagens, ele nunca percebeu minha curiosidade.
Passo com meu carro todo dia e pertenço àquele universo. Uma anônima observadora. Uma coitada que todos os dias serve-se à mesa, espera o sinal de trânsito orientar suas partidas, voltando sempre ao apartamento cuja a porta está trancada.
Na sua rotina fiel, imagino, meu personagem é feliz. Seu mundo, à imagem e semelhança de seus devaneios divergentes, parece-me em paz.
E que coragem! Ter a mente insana numa cidade cartesiana. Na estética parnasiana, ele exerce o dadaísmo. Encontra nas retas paralelas e perpendiculares os becos que não vejo. Assume brechas de sua consciência entalhando seus sonhos do outro mundo.
Os carros seguem sua sina. O eixo é o rumo que dá no norte e no sul.
Fortes são os loucos. Fortes o bastante para subverter a rotina imposta pelo Plano Piloto.

segunda-feira, 27 de outubro de 2008

Entresafra

Não tem chovido muito na minha horta
Não tenho conseguido abrir os sulcos da imaginação.
Minhas palavras são reincidentes
Minhas idéias velhas não deixam as novas entrarem.

quarta-feira, 22 de outubro de 2008

Coração de mãe



Coração de mãe
Não é um jardim florido
Não é o paraíso
Nem cenário para se perecer.
Coração de mãe
Abriga os sonhos
Aninha as lágrimas
Coração de mãe
Não é só um músculo forte
Que bate e vela a vida.
É um espaço sereno
De dimensões imensas
Maior do que o corpo
Capaz de abrigar muitas almas.
Coração de mãe cresce o tempo todo.
E também fica pequenino.
Coração de mãe começa a existir sem saber
E nunca, nunca deixa de ser!

(Para Ana Luiza, personificação do amor, com inspiração nos versinhos de pé quebrado do Menino Maluquinho!)

terça-feira, 30 de setembro de 2008

até.... talvez.....



O chão batido da velha estrada viciada, cansada cheia de buracos nunca tinha sido tão profícuo.
Sem sinalização
Sem fiscalização
Sem orientação
Seguiu até o fim da linha.
Curvou-se ao acalanto do sol nascente, arriscou encarar o astro a pino e finalmente rendeu-se à lua azul.
Num caminho de pedras enormes e oásis escassos.
O som ritmado da terra seca arranhando as sandálias era companhia tranqüila.
Até que, na chegada ao fim, percebeu que nada foi.
Nada seria.
Nunca nada.
O chão abriu-se acolhendo os seus sonhos: museu de idéias e de sentimentos.
O segredo ficou impune.
O amor vai brotar algumas flores quando chover.
E elas talvez encantem.
Talvez cheirem.
Talvez existam.
Talvez nem saibam.

quarta-feira, 10 de setembro de 2008

muito prazer

















Não gosto muito das regras. Mas as cumpro metodicamente.
As exceções são como um desafio. Risco de erro, abuso de confiança.
E as prefiro, via de regra.
Por exemplo, ao escrever. Minha inspiração é uma exceção.
A regra é relatar os fatos de forma clara e coerente.
Muito bissexta, minha iluminação. Deveras teimosa.
O normal seria que sentisse impulso de escrever durante meus turbilhões emocionais, sejam de felicidade ou de tristeza. Ou talvez decidisse usar este blog pra amainar meu tédio.
Não adianta. Penso nos momentos mais improváveis e a tal “lâmpada” só acende quando estou completamente desprevenida.
Cortando legumes, levando o tapete pra lavanderia, abastecendo o carro....
Ela então tripudia da minha praticidade extrema e sazonal e me avisa: “esta não é você, querida! Trate de ver poesia no macacão cheio de graxa do frentista, ou encontre nas manchas do tapete desbotado algum sintoma de amor.... quem sabe identifique formas abstratas nas cascas dos legumes?”
Pronto! Caio do pedestal de mulher racional, mergulho profundamente nos meus devaneios.
Erro o percurso pro trabalho, deixo o bolo dentro do forno e esqueço de fazer algum pagamento.
Esta aí sou eu. Muito prazer.

domingo, 31 de agosto de 2008

Via Láctea.... Farinha Láctea



O dinheiro contado no bolso.
Na cabeça, a lista resumidíssima para ir ao supermercado.
Levava pela mão o primeiro filho: cabelinhos de trigo, olhinhos escuros curiosos, lábios vermelhinhos.
Segurava seus dedinhos, uns gominhos de laranja, como quem carrega uma peça rara.
No caminho, pouco mais de um quilômetro, o pequeno não parava de falar.
Ele adorava as palavras e sua mente indagava coisas impensáveis.
- Mamãe, como é que cavalo tira catota????
Ela pensava, ria no seu íntimo maravilhada com aquela cabecinha dourada e respondia, com paciência:
- Sabe que eu nunca pensei nisso, filho? Será que cavalo fica gripado?
Ele nem mesmo deixava a resposta ultrapassar os limites do ouvido e continuava:
- Mãe, hoje o almoço foi carne de sol.... e mataram o sol, foi?
Ela achava engraçado. Achava inteligente aquela pessoinha inventar estas coisas. Respondia com muito cuidado pra não deixar nenhuma palavra fora do lugar.
Quando chegaram ao supermercado, ela explicou ao filho que não poderia comprar muitas coisas. Iria pegar nas prateleiras somente o necessário. O menino se comportou muito, muito bem. Quietinho, sentado de frente pra ela no carrinho, continuava a conversa das imagens de quem começa a conhecer o mundo.
Voltaram pra casa, o sol já se punha.
O pequeno foi brincar no quarto e ela como todo dia, fez sua papinha, serviu por volta das sete da noite.
Era seu primeiro filho. Apaixonante.
Mais tarde, umas oito da noite, esperando o pai chegar do trabalho, deitaram-se os dois na rede. Ficavam sempre ali, olhos vidrados no céu.
Ela explicava o que sabia sobre a lua, os planetas, a via láctea....
E o menino curioso ouvia, calava, olhava.
Eles cantavam, deixavam o tempo passar como uma brisa leve e satisfeita.
Até que, de repente, ela viu uma estrela cadente.
No seu entusiasmo, precipitou-se ao filho:
-Uma estrela cadente, querido! Vai, vai, faz um pedido!!!!
O pequeno pensou rápido.
- Posso pedir qualquer coisa?
E a mãe:
- Vai, filho! Rápido!
E ele então desejou:
- Eu quero Farinha Láctea!!!!
Ela emudeceu. Naquela tarde, no passeio até o supermercado, tinha comprado Nescau.......

sexta-feira, 1 de agosto de 2008

.... trocando em miúdos.....

Tem vísceras, minh’alma.
Como quaisquer outras, reviram meus sonhos imperfeitos.
Instalam-se crônicas, posseiras.
Tem vísceras, minh’alma.
E as descobri há tão pouco tempo...

quarta-feira, 23 de julho de 2008

nano-sensações

Uma banana cortada ao meio parece uma perna amputada.
Cerro as pálpebras. Conto uns segundos.
E a imagem continua lá, imóvel.
De olhos fechados tudo parece ter movimento.
O vento seco talvez seja responsável por estas nano-alucinações.
A falta de oxigênio provoca pensamentos improváveis.....
E na frente do caderno eletrônico, página branca e teclas disponíveis, empaca o pensamento.
Pensar demais pode ser prejudicial. E quando as palavras ficam cercadas por outros valores, encarceradas no peito com medo de sair, tripudiam do hospedeiro.
Primeiro, impedem o sono.
Depois, incitam o pensamento. Fazem os neurônios correrem de um lado pro outro, tal qual cavalos cegos.
As palavras revoltadas então viram obsessão. São insistentes. Reincidentes.
Na manhã seguinte, de mau humor, experimente abrir a geladeira pra tirar o leite e dê de cara com a metade da banana que deixou na prateleira antes de dormir.
Ela vai parecer uma perna, um braço decepado. E o autor da mutilação foi você.
Súbito, feche a porta, apresse o café, coma alguma coisa e saia, de preferência, sem falar nada com ninguém.
O vento seco que sopra ainda frio entra pelos sete buracos da sua cabeça. E provoca aquela sensação entorpecente.....

segunda-feira, 14 de julho de 2008

Menina Moça

Na primeira consulta ao “doutor de adulto”, a menina tinha as mãos geladas.
Seu pai a acompanhava porque tinha preocupações. Ela tinha “reformado” muito cedo.
E ele tinha ouvido dizer que depois que fica moça, a menina não cresce mais.
Ela tinha pouco mais de um metro e meio....
Na sala de espera tudo era muito austero. Móveis de madeira sólida, cortinas com flores em tons pastel. As revistas para passar o tempo versavam sobre temas que ela sequer conseguia entender. Lá dos seus 13 anos, olhava somente as figuras e imaginava histórias.
O relógio não era bom parceiro. O ar parecia preguiçoso. Suas mãos quase pingavam de tanta ansiedade. Seu pai ao lado.
Lá pelas tantas chamaram seu nome. E ela deu de cara com um médico de faces marcadas pelo tempo. Os olhos mais sérios do que simpáticos a convidaram a entrar.
Nem uma palavra e ela foi encaminhada à ante sala do exame físico.
Deitou-se, ele a pediu para fechar os olhos. O pai ao lado.
E os exames foram feitos no escuro. A menina foi ficando cada vez mais confusa. No outro médico, quando criança, tão recente, não era assim.
Na hora de preencher a ficha de saúde, mais confusão.
- Seu nome completo?
Ela respondeu, explicando como se escrevia o nome do meio “com dois ‘c’ e ‘y’ no final.
- idade?
13
- doenças que já teve?
Hepatite, né pai????
- alergias?
Tenho rinite alérgica.... este clima daqui não ajuda..... (ela tentava quebrar o gelo).
O doutor continuava sua investigação.
-Ham..... você.... é........ já mudou de estado? (Desta vez ele falou sem tirar o olho do papel).
Ela, bem mais tranqüila: Não! Eu sempre morei em Pernambuco!!!!
Silêncio sepulcral.
A menina entendeu que algo tinha dado errado.
Seu pai a socorre: Filha, ele quer saber se você já é moça....
Ela responde: sou, sim...... e reza pra aquela consulta acabar logo.
Nunca mais pisou naquele consultório.

quarta-feira, 9 de julho de 2008

Conta gotas, a vida



Cinco gotas. Dois dedos de café.
Não precisa mexer.
Sete passos até o sofá.
Os pés arrastam-se pelo assoalho.
À frente da tv.
Range a poltrona.
Café forte demais.
A pantufa de tecido listrado vai polindo o chão.
Dez passos ao armário.
Geme a porta.
Três biscoitos.
Oito passos até a mesa.
Na cadeira está uma bolsa.
Quinze passos até o quarto.
A bolsa pendurada no cabide.
Passa lenta, lerda, pelo corredor.
O café ficou frio.
Aliás, morno.
Muito ruim.
Passos até a cozinha.
E as pernas teimam em não levantar os pés.
Dispensa o café na pia.
Cinco gotas. Dois dedos de café.
Não precisa mexer.
Cinco, ops, seis passos até o armário.
E a vida seca.
Os biscoitos esquecidos.
Mais uns passos idiotas para resgatá-los.
Tenta apressar-se.
É patético.
O café vai esfriar.
A TV ligada. Canal 7.
Range a poltrona.
Off.
Silêncio. Silêncio.
Silêncio sem eco.
Silêncio sem história pra contar.
Silêncio sem fertilizante.
Até o próximo passo....

quinta-feira, 3 de julho de 2008

Na parada de ônibus


Eu li Poliana. E Poliana Moça. E o pequeno príncipe. E Fernão Campelo Gaivota. E tudo o mais que parava na minha mão. Eu não lia somente. Relia, insistia, decorava, até.
E não fazia isso para recitar trechos ou discutir literatura com alguém. Os livros eram uma espécie de companhia. E eu os decorava para tê-los comigo quando eles não podiam estar. Foi assim com Clarice Lispector, Cecília Meireles, gibis da Mônica, Carlos Drummond....
Eu passava muito, muito tempo nos ônibus. Morava longe do centro e estudava no outro extremo da cidade. O meu enjôo nunca me deixou ler em um veículo em movimento. Restava a memória.
Eu relacionava as paisagens a trechos de música, batizava os bairros com poesias que me eram familiares. Criava um novo mapa, mais divertido, mais agradável, só para encurtar aquelas quase quatro horas diárias de deslocamento.
Até hoje gosto de pegar um ônibus e imaginar histórias, melodias, personagens.
Mas a história que vivemos é sempre a mais rica em detalhes. Tantos anos depois, ainda me pego fazendo jogos mentais na parada de ônibus. Imaginando histórias e recriando as passadas. Eis que agora me surge um parceiro nestas viagens emocionantes.
Eu pego o 32 para ir ao trabalho. Na minha espera na parada, o 23 inevitavelmente passa primeiro. E aí eu penso na coincidência da troca dos números.... que se desse na telha eu poderia mesmo pegar o ônibus errado.... que quanto mais eu espero, menos tempo falta pra minha condução chegar...
Um dia tentei explicar esta minha brincadeira pra uma amiga, ainda adolescente, mas ela me olho com uma expressão estranha. Então, nunca mais dividi com ninguém meus devaneios.
Inúmeras vezes tenho o ímpeto de sair da parada de ônibus e recorrer ao trajeto sem paisagem do metrô. Mas em 90% das vezes me rendo ao tempo que tenho comigo mesma. Um tempinho ínfimo, numa parada de ônibus árida....
Da última vez, peguei o 32 depois de esperar quase 35 minutos. Sono depois do almoço, meio irritada pela demora, subi no zebrinha e o motorista me diz rapidamente: “dobro à direita????” Eu respondi quase como um reflexo que sim, pode dobrar e depois fazer o retorno na L-2, como o 23, que estava na frente.
Era o primeiro dia do motorista na rota. Eu me diverti sendo uma recém-chegada à cidade e servindo de guia de motorista de ônibus!!!!! “ Vá sempre em frente, até a catedral.....”
Umas 10 quadras depois, sem cerimônia, chega meu primo e sobe no ônibus. Eu não acreditei! Parece bobagem, né, um primo subindo num ônibus... Mas não! Pense comigo: Moramos em cidades distintas a vida toda e de repente, morando há quatro meses na mesma capital, tomamos cafés, almoçamos, nos telefonamos.... e.... NOS ENCONTRAMOS NO ÔNIBUS!
Sentados lado a lado, tratamos de orientar o motorista. Ele imediatamente entrou na minha brincadeira infantil como se sempre, sempre tivesse participado dela. Eu nem tive medo que ele fizesse uma cara estranha.
Imaginamos roteiros diferentes para aquela viagem e os cumprimos. No destino ainda cumprimentei o motorista: “daqui pra frente te desejo boa sorte!”
Descemos juntos, colocamos os crachás, trocamos mais duas palavras e pronto. Cada um no seu computador. Não é segredo. Somos quase irmãos. Mas definitivamente, é preciso estar junto, rir lado a lado pra efetivar o que o sangue não deixa esquecer.

terça-feira, 1 de julho de 2008

De um lado deita-se o sol ardente
Do lado oposto jaz o vento frio que toma partido da sombra
O céu que quase cai sobre mim encontra uma mente inquieta
Fervente
E eu ainda não reconheço no horizonte a paisagem de casa
Mas sei bem os meus caminhos de aluguel
E enquanto ainda não os tenho
Não os comprarei
Como navegadores de séculos marítimos
Conquistarei minhas rotas
Não há sequer um ponto final
As vírgulas as aboli
Busco entender novas toadas
Encontrar minha lógica
Na desordem geográfica que se mostra em linhas precisas

terça-feira, 24 de junho de 2008

somente a verdade



Quase tudo pode ser verdade,
E das maiores.
Quase, quase tudo pode ser real.
Depende da capacidade imaginativa de quem vê,
Da competência de quem conta,
Da ingenuidade de quem acredita.
Do potencial de sonho instalado em cada indivíduo.
Delírio!!!!
Acreditamos. Buscamos. Insistimos. Erramos. Retornamos. Desistimos. Retomamos. Acertamos. Melhoramos. Sonhamos. Planejamos. Acontecemos.
E a verdade apareceu desde quando?
Acabou quando tudo se fez.
E desapareceu enquanto muitos viam quase nada.

quarta-feira, 11 de junho de 2008

terça-feira, 27 de maio de 2008

Dorme, anjo.....



Ele sempre a embalava nas noites quentes, nas noites frias, nas noites chuvosas.
Chegava manso, abraçava a menina com afeto. Suas histórias tinham personagens fantásticos. Tinham lições de vida e feitos heróicos. Embalava então a menina e, ao final, invariavelmente ouvia o pedido: canta aquela música.
Ele, às vezes já cochilando, cansado do dia da repartição pública, deitava-se do lado do colchão e entoava a canção de ninar num ritmo lento, quase compassado com as pálpebras infantis, que, teimosas, faziam esforço para se manter abertas.
Algumas vezes a menina via o pai dormindo e na crueldade infantil o acordava:
- Falta a parte do boi da cara preta, pai!
Ele se ajeitava e terminava a missão. Aí a menina se entregava. Ele então pegava o lençol dela e “mumificava” a criança. Ela adorava.
Dormia se sentindo amada.
Anos se passaram. Décadas marcadas no calendário.
Um dia, ela ouviu a música que ele cantava no rádio. Aumentou o som. E descobriu que aquela música ninara muitas filhas nas vozes de seus pais.
Sentiu todo aquele sentimento infantil novamente. Cantou pra seus filhos o hino a cada noite, embalando-os como seu pai fizera.
Hoje eles são adultos, os dois.
E ainda se embalam. Encantam-se com suas histórias, emocionam-se com suas vidas
Riem, choram, brincam de viver.

segunda-feira, 19 de maio de 2008

Faltam flores e frutas no café




Faltam flores no café. Estão arrumadas as xícaras em desalinho. Detalhes de manchas de refeições passadas são sutilezas cromáticas.
Faltam frutas no café. O pardo pão decora a toalha. Delírios estéticos.
Faltam vozes no café. Resta a monotonia. O cântico lerdo do vento à distância e a cadeira vazia à frente.
A vida dela, a quantas anda!
Resquícios de imagens, pessoas, experiências.
As mãos indecisas repetem como máquinas as ações de todo dia.
A faca rasga o pão.
A faca passa manteiga.
A faca cega.
Chega a se distrair com o barulho que o maxilar faz ao triturar o pão. O som da solidão. Quando as cadeiras tinham vida, tinham donos, e ela se aborrecia com a briga das crianças, com a balbúrdia na mesa, não ouvia aquele som.
Isso é solidão. Deve ser.
Melhor ouvir uma música.
Melhor sair dali.
Faltam flores e frutas.
Mas, em poucos dias morrerão as pétalas.
Em algum tempo as frutas murcharão.
Deixa assim.
Faltam flores e frutas no café.

segunda-feira, 12 de maio de 2008

Falta de amor

"Alguém - seu pai ou o meu - deveria ter dito que não foram muitas as pessoas que morreram de amor.
Mas multidões inteiras estão morrendo a toda hora e nos lugares mais esquisitos por falta de amor."
(James Baldwin)

segunda-feira, 5 de maio de 2008

Nelson Ferreira toque aquela introdução!

Aurora, Praia, Sol, União, Harmonia, Angustura, Amizade, Saudade, Alegria, Glória, Hora, Calçadas. Eu vim de um lugar onde as ruas tinham estes nomes.
E em cada um destes endereços eu vivi. Passei por suas expressões poéticas escritas em placas azuis. Nas esquinas de poeira, à beira do rio fétido, contemplava minha cidade. Cresci e vi outros crescerem.
Do rio, eu via o mar e o mangue nas encostas. O oceano imenso que aprendi a enxergar na linha da visão.
Gostava também dos nomes dos bairros. Uns com nomes de mulher: Madalena. Outros, com nomes de árvores frondosas: Espinheiro, Jaqueira. Tantos outros levavam na alcunha referência a antigos engenhos: Casa Forte, Caxangá, Casa Amarela, Engenho Novo. Aflitos, Torre, Encruzilhada, Brejo. Gostava de imaginar de onde veio o Paisandu, como surgiu a Ilha do Leite, como batizaram o Pina.
Hoje, morando em novas paragens, sinto falta dos amigos, sinto falta do labirinto da minha cidade. Mas morro, morro de saudade mesmo é dos nomes dos lugares.
O bicho da nostalgia encontrou em mim morada. Mas na minha teimosia, sinto também um comichão que me impulsiona para novos lugares, novas terras. E sem este dom aventureiro, vou ficando triste. Não sou nômade, porém. Minha cidade está no mapa.
Entendo agora o frevo de Antônio Maria, que nos carnavais, minhas fantasias, eu cantava me emocionando: “Sou do Recife com orgulho e com saudade. Sou do Recife com vontade de chorar”. Desculpa, Antônio. Até hoje eu achava que a tua poesia era alegoria.

segunda-feira, 28 de abril de 2008

super bem informado

- Mãe, Marketing é aquele homem que sofre muito?
- Não, filho. O cara que sofre muito é Mártir.
- Mãe..... Marte não é um planeta???????

terça-feira, 22 de abril de 2008

Identifique-se!!!!



Agora ele tem identidade.
Sua calça jeans, arrastando no chão e quase um palmo abaixo da cintura, abriga um documento plastificado no bolso de trás.
Seus dedos da mão alternam-se. Hora são os ágeis agentes que operam as teclas do computador. Hora, com gestos infantis, montam peças retangulares, edificando seus sonhos de ainda ou quase menino.
Hoje chegaram em casa meio sujos. Não eram rastros de areia. Nem muito menos as marcas de um jogo de futebol.
Eram tinta de carimbo.
Suas digitais pela primeira vez ganharam status oficial.
Estão fichadas.
Entraram pras estatísticas.
Ele ensaia em um papel a assinatura do documento. Rasga com sulcos azuis o papel. Não desenha desta vez seus sonhos com lápis de cor.
Registra o nascimento de um novo civil.
Leva consigo a herança e inicia a busca pela própria existência.
Vai ensaiando levantar vôo. Distâncias pequenas, passos leves.

sexta-feira, 11 de abril de 2008

De forno a fogão



A gente só se conhece mesmo quando vai vivendo. E pensando. E se permitindo viver.
Tem coisa que está do lado. Tem gente que nunca saiu dali. Tem papéis que sempre foram encenados. E eu somente agora pude perceber.
Este post veio num raio. Tudo ao mesmo tempo na cabeça. Tão rápido, que tive vontade de sair correndo pra um computador, com medo de perder a lembrança tão a jato como ela veio.
Mas, eis meus senhores e minhas senhoras, que estou aqui reconstituindo meu pensamento.
Pois então. Eu tava pensando nestes papéis quando percebi a importância que ela tem na minha vida. Ela não. ELAS.
Minha experiência de uma década e meia de casada já me confere autoridade para emitir algumas impressões sobre esta relação às vezes promíscua, às vezes perversa, às vezes confortante.
Não somos amigas, nem muito menos estranhas.
Perdi as contas das vezes em que percebi que trocávamos de papel. Invejamo-nos mutuamente. Admiramos-nos também.
Aprendi muitas lições de como ser e de como não levar a vida.
Algumas histórias destes meus confrontos humanos poderiam elencar capítulos de livros.
Mas não quero aqui fazer da minha vida privada uma comédia.
Algumas roubaram minhas roupas.
Outras as alvejaram.
Houve as que entraram na categoria inocente. Uma delas nunca tinha visto um liquidificador na vida e tomava altos sustos quando ligava o equipamento. Não durou uma semana.
E as que respondiam pela categoria das dissimuladas: tentaram conquistar o amor do meu amor.
Lembro-me ainda de uma que flagrei na minha cama com um motorista de táxi.
Algumas bancaram bem o papel e o afeto de mãe.
Fui mãe de algumas também.
Como tudo na vida, houve as excêntricas. Não abriam a porta para estranhos, usavam um tubo de água sanitária por dia....
Mas, mesmo com toda esta “folha corrida”, um caso muito recente me intrigou.
Ela esperou duas semanas pra começar a trabalhar lá em casa. Ligou várias vezes no período para saber se estava tudo certo, chegou pontualmente no dia com uma mala que daria pra fazer uma viagem de uma semana. Sandálias havaianas cor-de-rosa, blusa da mesma cor, saia jeans.
Passou o dia com um sorriso nos lábios. Contou histórias da sua vida.
Ao final do dia, lavou suas roupas, deixou tudo arrumadinho e se despediu com um sonoro “até amanhã”. Deixou a mala num cantinho.
Sumiu. Sem rastro.
E o que eu faço com as havaianas cor de rosa?


segunda-feira, 7 de abril de 2008

meu barquinho de papel


Tem um vento soprando a favor, levantando as velas.
As ondas, ainda meio revoltas, começam a embalar os sonhos no convés.
Os aspirantes já se viram com leme.
E o capitão do meu barco de papel, quase sossegado, descansa sobre os meus joelhos.
Sinto baixinho seu suspiro tranqüilo. A embarcação chegou ao porto e está bem ancorada.
Dançam as meninas mais fogosas nas pedras castigadas à beira mar. Cantam-se canções que contam vitórias e glórias. Sob os pés escondem suas dores.
Canto uma canção baixinho, um mantra.
É a vida real.

quarta-feira, 2 de abril de 2008

Pouca Fé

Desistam.
Da minha total falta de assiduidade na alimentação deste blog
(que chega a ser mesmo uma falta de compromisso)
veio a reflexão:
EU NÃO SOU UMA PESSOA VICIÁVEL.
Não sou dependente de internet, apesar de gostar muito.
Não consigo ser cega por trabalho, minha outra paixão.
Já tentaram me pegar. Já tentaram me tentar.
Mas, definitivamente, não consigo me prender a vícios.
Nem a hábitos.
Meus tratamentos médicos não duram mais do que o tempo em que os sintomas existem.
Minha atenção pela moda está abaixo da média.
Quando criança, eu insistia em roer as unhas, pra fugir das tesourinhas da minha mãe.
Em vão. Eu esquecia de roer. Ou roía somente o bastante pra deixar tudo bem aparadinho.
Decepção completa.
Na adolescência tive lá meus excessos.
Mas não persisti.
Sou de pouca fé, talvez.
Meus vícios são nada.
Em compensação, não vivo sem paixão.
Mas isso lá já é outro post.

terça-feira, 18 de março de 2008

Eu tenho mais de vinte anos





Mundializando meu pensamento individual, quero uma aldeia não global, um clã sem paredes aparentes. Tento refugar as etiquetas presas nos rostos, nas mãos, nos olhos.
Já tenho mais de trinta. E vou viver outros tantos, talvez
E isso nada tem de novo.
Mais tranqüilidade, menos paciência.
Não importa o que diz o almanaque, nem a TV aberta, nem o jornal de amanhã.
Não somos mais modernos! Os modernos ficaram para trás. Os modernos são os antigos, agora. Suas formas e seu pensamento, substituídos pelo híbrido, ganharam o nome de contemporâneo.
A arte visual que virou música que não tem mais som; o teatro que dá as mãos ao cinema, a fotografia que empresta luz à dança. A arte que é rotina, a rotina que vira obra-prima.
E eu vivo neste mundo, mas não sei decodificar sua linguagem HTML.
E talvez as gerações de depois vão nos chamar de “contemporâneos ultrapassados”.
E outros nomes serão empregados. Palavras antigas, para traduzir comportamentos, atitudes, idéias reformadas e pintadas com novas tintas.
Virão os pós, os ultra, os contra, os super.
Ninguém precisa concordar. Nem entender.
.... E a Semana Santa que não chega!

quinta-feira, 13 de março de 2008

São as Águas de Março



Na madrugadinha as gotas da chuva nem mostravam cansaço.
Desde a boca da noite desciam espessas e acumulavam-se na mangueira da varanda, descendo em tobogãs improvisados pelos galhos da velha senhora imponente.
Chuva de março.
O para brisa do carro distorcia as imagens da cidade, iluminada por um sol preguiçoso, entre a chuva e o começo da manhã.
Não havia trilha sonora.
Era aniversário da minha cidade. E da cidade do meu coração.
E era o dia despedida.
- Quem sai de sua cidade sai sempre fugido, pensava no caminho.
Foge-se das boas lembranças, mesmo guardando bem todas elas.
Foge-se das referências espaciais.
Foge-se dos atalhos, dos buracos nas ruas, dos cheiros bons e ruins.
Mas a gente foge sabendo que pode voltar.
No avião, a sensação de que o tempo não tem medida.
Sem os pés no chão, sem paisagem pela janela.
No novo destino, uma chuva fina levantava a poeira vermelha.
Batia sem pressa no concreto.
Trovões insistentes eram a trilha sonora.
Choveu o dia todo, todo o tempo.
O batismo veio do céu.

quinta-feira, 6 de março de 2008

Adelaide



A amiga ia embora, morar longe.

Decidiu então e finalmente fazer um endereço virtual para não deixar de saber das novidades.

Virou-se para o filho mais novo:

- Faz um e-mail pra mim?

E o garoto logo se pôs na frente da máquina que tem um ventilador dentro.

-Mãe, teu nome é muito comum. Vou dar um jeito de conseguir te inscrever.

Depois de um tempo, ele entregou um papel com o endereço anotado.

Leu com muita calma pra mãe, que já beirando os cinqüenta, nunca tinha sequer mexido num teclado.

- maria_nunes1@..........

- E precisa disso mesmo,meu filho? Perguntou a mãe. Que negócio estranho....

..........



Dias depois, foi à despedida da amiga. Entregou o papel bem dobradinho com um ar meio encabulado.

- Olha, meu menino colocou um nome estranho aí porque disse que todo mundo se chama Maria....

Aí ele acrescentou Adelaide.

- Adelaide? Como assim??????

- Olha aí, eu não entendi, mas ele disse que este traço embaixo aí quer dizer Adelaide.........

domingo, 2 de março de 2008

meus anjos





Todo mundo tem seus anjos.
que não tiram férias, plantonistas dedicados.
São anjos de asas, que em sonhos aparecem barrocos, anjinhos de bochechas vermelhas.
São anjos de sangue, que têm em comum o mesmo ventre em que foram gerados.
Os anjos da guarda, zelosos guardadores.
Os que nos salvam uma vez, que estão na hora certa naquele lugar errado....
E nos salvam pra toda a vida.
Conheci muitos.
Conheci até aqueles que são anjos e nem acreditam neles.
E são esses que mais alimentam a alma.
Vivem despretensiosos
tocam violão, fazem versos, olham no olho.
Escrevem cartas, pegam ônibus, odeiam engarrafamentos.
Faltam ao trabalho, ou chegam atrasados.
Quebram o computador, ou baixam um vírus.
Fazem rir e chorar.
Há dias em que sabem ouvir. Há dias em que falam pelos cotovelos.
São bons e ruins.
São gente da melhor qualidade.
Encontrei tantos deles....
E tenho vontade de encontrar neste momento especial
Os que deixei esta semana
Numa salinha com ar condicionado frio,
Três computadores pra oito pessoas
Poucas cadeiras
Um monte de boas idéias na cabeça
e uma saudade Imensa!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!

Pra Suga, Mack, Vivi, Cata, Olívia, Berna, Leo, Chico, Ana, Renata, Carlos, Jadir, Radamés, Marcos, Messias, Roberto Carlos, Gustavo....

segunda-feira, 25 de fevereiro de 2008

Paciência




O gato comeu minha língua,
triturou minhas idéias,
subiu no telhado com meus melhores pensamentos
e pulou pra árvore mais próxima.

De lá não sai.

E eu, olho pro meu pobre blog
Sem idéias
Sem linguagem
Sem palavras

Muito em breve,
na noite calada
ele há de voltar
como gatuno experiente
e há de deixar uma pista

volto então
brincando com palavras
desfiando sílabas como novelos
perseguindo meus pensares
numa caçada intermitente.
como sempre. como nunca.

sexta-feira, 1 de fevereiro de 2008

Dias de Momo




São dias de Momo.
E eu estou em Recife.
Vou vestir minha fantasia e sair de colombina por aí........
Vou aproveitar neste mundão minha versão lírica;
Vou abrir meu baú e reciclar todos os meus sonhos
Envoltos em tules coloridos
Mascarados de brilhos
Maquiados de desejos infantis.

quinta-feira, 24 de janeiro de 2008

Ano passado eu morri......




“Ano passado eu morri. Este ano não morro mais”.
Foi Zé Limeira, que ‘poetou’ esta frase.

Uma verdade contemporânea que empurra o tempo.

A gente morre sempre, às vezes dos mesmos males.
Conversa de mesa de bar à parte,
Viva o poeta Zé Limeira!

segunda-feira, 21 de janeiro de 2008

A noite em claro


Nestas horas, queria um cigarro, uma bebida forte, um entorpecente mágico.
Um relógio com minutos mais breves ou talvez uma mente com neurônios mais lentos.
Neurônios a menos seria o ideal.
Em casa, todos dormem.
Irrita a respiração compassada, o ressonar de um, o roncar leve do outro.
Um copo d’água, mais uns minutos de abandono no colchão bem forrado.
Primeiro, tenta controlar a respiração. E não pensar em nada.
Pense em nada.
Pense em nada.
Isso é letra de música.
Pense em nada, uô uô......”
Pronto. Pensou.
Agora é preciso recomeçar.
Não pense em coisa alguma. Isso.
Inspira, expira.
Inspira, expira.
Cabeça leve...... corpo leve..... olhos fechados.
E .... passa o caminhão do lixo.
Que barulho horrível!!!!! Como é que se consegue dormir com isso????
Liga a televisão, um filme americano com muitos carros sendo destruídos.
Um deles é arrastado por um avião! Parece Harry Potter.
Rien avoir.
É melhor ir pro computador.
Ver notícias, apagar e-mails.....
E eis que o sono chega, lá pelas três.
Deita. Espera. Cochila.
E toca o despertador. Cinco horas. Ta na hora dele tomar o antiinflamatório....
Ele olha ao lado, vê aquela criatura destruída.
-Não dormiu????
-Não, aliás, tava começando a dormir agora, responde com voz sonolenta.
- E porque não me acordou?????

O sol bateu à porta. Fecha os olhos, passou a noite em claro. O dia será longo.

quinta-feira, 17 de janeiro de 2008

Não esqueça de se apaixonar





O frio cortava os lábios, deixava as crianças com as faces cor de violeta.
As mãos, encarceradas nos bolsos do casaco de lã.
E o vento era tudo.
Ela andava pela rua mesmo assim. Achava que a nova saia de lã, garimpada numa feira de subúrbio caia muito bem com aquele lenço vermelho que ela havia comprado de um vendedor sírio.
Na verdade, sentia-se meio árabe.
-“Poderia ser uma Cabille”, ela pensava. Cabelos escuros, pele quase branca, olhos verdes. “Sou como Zidane, aquele jogador de futebol”.
Na verdade, pouco ou nada conhecia sobre o povo árabe. Roupas, costumes exóticos, culinária particupar, religião.... tudo quase como um folhetim.
Suas botas de couro e salto alto pareciam um metrônomo no concreto úmido da calçada.
Entrou no bar, sentou-se à mesa dos amigos. Pra afastar o frio, tomaram um vinho, pediram um couscous marroquino. Quando a segunda garrafa rouge pousou sobre a mesa, trouxe junto um homem dos seus quarenta anos.
Ele falava um francês com os “rr” muito carregados. Pediu pra sentar na mesa.
Não olhava para as mulheres.
Brindava somente com os homens.
Lá pelas tantas, já quando a consciência abre concesões ao sonho, umas três garrafas verdes encostadas nos pés da mesa, veio a perguta: “ Você é Cabille?”
Ela riu, confiante. Retrucou no melhor francês que pôde: “Não, sou brasileira.”
Não demorou muito e o árabe vira pro marido dela e pergunta: “ Por quanto você vende sua mulher?”
Silêncio.
O marido só fala português. E o homem insiste. Ela, explica que o marido não entende francês.
“ Então traduza, ora!” responde o comprador.
“Penso que não entendi, senhor”. O cara repete a sentença, tal e qual.
“Ela chama o amigo dono do bar, que explica que no Brasil é diferente, as mulheres são consideradas iguais aos homens. A esta altura, na mesa ninguém sequer respirava..
O árabe, já de pé, pede desculpas, explica que era somente um elogio ao homem, que soube escolher tão, mais tão bem a esposa.
Eles pagam a conta, aliás, o dono do restô faz uma cortesia e eles pagam somente o vinho.
Ela tira o lenço vermelho e dourado do pescoço, guarda dentro da bolsa. Sonha em colocar uma blusa de malha e tomar um sol. Abre a porta, encara os graus negativos e liga o metrônomo em andamento presto.
Cabille nunca mais.

segunda-feira, 14 de janeiro de 2008


O tempo não passa.
Ao lado de computadores cibernéticos, talvez do século 21,
Mulheres atravessam ruas com latas d’água nas cabeças.
Lá vai Maria, na idade média.
O tempo coexiste. O feudo territorial se contrapõe aos hiperlinks, sem fronteiras.
As construções de pedra do primeiro mundo têm vista para prédios inteligentes:
Paisagens estranhas harmonizadas nos olhares atentos.
O Rio que passa na minha rua é o mesmo de tantos milhares de anos. Mudam suas águas. Poetas já falaram disso......
O tempo definitivamente não passa.
O tempo se acumula.
E as palafitas resistem. E os foguetes interespaciais viram ônibus.
E faltam ônibus nas ruas da cidade.....

Horizonte

 Pausar.  Simples e necessário! Tempo restaurador. Arrumar as gavetas da cabeça, acariciar a alma, alentar as dores, afagar os prazeres. Fec...