segunda-feira, 26 de dezembro de 2011
Feliz 2012
Antes que o ano acabe,
E sem que eu perceba, o sol nasça no ano seguinte.
E sem que eu saiba, ele se ponha convidando a lua.
E a lua nova me venha misteriosa, acalentar minhas noites intranquilas,
Preciso dizer que todo o dito é nada diante do que se sente.
Que quando ponho minhas palavras na mesa, elas são adestradas
E que palavra nenhuma manda no peito
E que todo discurso bem feito é fichinha
Diante da verdade.
Antes que comece o novo ano, que já chega velhinho,
Quero dizer que amor não morre,
E que, o dito pelo não dito,
o que se faz é transformar.
Espero que um dia a dor do peito se transforme em luz,
A sensação de solidão se transforme em solidariedade,
E o sol siga seu curso lento,
A lua inspire os noturnos, embale os meninos.
terça-feira, 8 de novembro de 2011
Poesia pra que mesmo???
Que tipo de gente é essa que ainda encontra graça nisso?
Rima com o que? Com que tempo, com que vida?
Que mundo mesmo você vive? Lendo poesia no aeroporto, na cama antes de dormir... lembrando dos poemas que leu há tanto tempo... ressignificando, reelaborando, buscando sentido no que outros escreveram.
Seria este tipo de gente medíocre, dependente da criação alheia? Intérprete do nada.
Poesia que enche os pulmões, que alivia ou amplia as dores, que reforça os amores.
Pura poesia.
Poesia pura.
Aí o dia começa e você tem um verso na mente. Um verso alheio, que fala mais de você mesmo do que qualquer um pudesse fazer.
Um alheio, falando do seu segredo.
Enquanto lê os versos, abre seus segredos pro autor. Seria este autor um voyer, um programa invasor de sentimentos, talvez.
Versos só existem quando lidos. Só andam, engordam, se multiplicam, quando manipulados, em livros, em mentes, em teclas.
E então, me responda: porque tanta poesia num mundo tão quadrado?
Uma guerrilha poética, uma guerra rimada, uma militância aguerrida em palavras.
Ardo em poesia. Vejo poesia em prosa.
Mas pra que mesmo, hein?
Rima com o que? Com que tempo, com que vida?
Que mundo mesmo você vive? Lendo poesia no aeroporto, na cama antes de dormir... lembrando dos poemas que leu há tanto tempo... ressignificando, reelaborando, buscando sentido no que outros escreveram.
Seria este tipo de gente medíocre, dependente da criação alheia? Intérprete do nada.
Poesia que enche os pulmões, que alivia ou amplia as dores, que reforça os amores.
Pura poesia.
Poesia pura.
Aí o dia começa e você tem um verso na mente. Um verso alheio, que fala mais de você mesmo do que qualquer um pudesse fazer.
Um alheio, falando do seu segredo.
Enquanto lê os versos, abre seus segredos pro autor. Seria este autor um voyer, um programa invasor de sentimentos, talvez.
Versos só existem quando lidos. Só andam, engordam, se multiplicam, quando manipulados, em livros, em mentes, em teclas.
E então, me responda: porque tanta poesia num mundo tão quadrado?
Uma guerrilha poética, uma guerra rimada, uma militância aguerrida em palavras.
Ardo em poesia. Vejo poesia em prosa.
Mas pra que mesmo, hein?
sexta-feira, 28 de outubro de 2011
Relicário
Móveis antigos não contam histórias.... Tem gente que pensa assim.
Eu não. Tanto que eu vivia no pé da máquina de costura Singer da minha avó.
Olhava aquela agulha que ia e vinha, movida pelo pé da minha costureira particular.
Na minha cabeça, a boca da maquina (a agulha) dublava as histórias que a minha avó contava, que nem nos filmes da sessão da tarde.
Ela ia falando e eu ia olhando ali pra máquina que engolia pano. Ás vezes minha avó parava de usar a máquina, fazia qualquer coisa à mão, e eu achava que perdia a graça.
Minha avó se assustava, porque todos os netos corriam, brincavam, ia pra rua, caiam da bicicleta... e eu, pra ela, era uma menina quietinha, sempre à beira da máquina, esperando a hora de provar o novo modelo.
“Roupa nova de dono velho”, ela dizia, reformando as roupas das minhas tias pra mim.
Que nada! Eu ficava ali dando nome àquela engrenagem. Às vezes, era minha avó mesmo. Podia ser também a bruxa da Branca de Neve. Pensava também que a “boca da máquina” era mágica, era feiticeira. Entrava linha, saía uma roupa linda. E num é que era mesmo? Minha avó era a manipuladora daquele objeto mutante. E quem queria saber de bicicleta depois disso tudo? Nem de televisão. Mais nem de rádio!!!
Minha avó contava as histórias de quando era menina, que mandava lavar as roupas em Paris, de navio.... e eu ia junto.
A máquina ia conversando comigo.
No final, sempre tinha um vestidinho novo de presente, uma blusa com um babadinho....
Talvez por isso, pra guardar esta lembrança, eu adore móveis antigos e tenha pedido aos meus irmãos justamente a máquina de costura da minha avó como herança.
Ninguém se opôs.
Não sei pregar um botão.
A máquina, coitada, fechou a boca, enferrujou. O pé de ferro ainda é lindo.
Ah se aquela máquina falasse.....
terça-feira, 18 de outubro de 2011
sem título 2, 2011
Tem um texto na ponta da minha cabeça, como se fosse na ponta da língua.
Ele vem, chega, insinua sua presença e depois, engraçadinho, vai embora.
E eu começo: “despertador de sol, levantador de lua”...
E o texto nada me diz.
Apago.
E eu continuo insistindo neste vício de me fazer entender.
“o moço segue pelo caminho denso”.
Palavras escolhidas, lindas...sem sentido. Caminho denso de que?
Floresta Amazônica, talvez..... chão de massapé molhado, mangue...
A conclusão é simples.
Não há nada a dizer. Por isso, nada que escrevo parece ter sentido.
Não é, tampouco, crise de criatividade.
Estou seca. Vazia.
O mundo girando numa velocidade de fórmula 1.
E eu parada, pareço um personagem dos desenhos animados mangai.
Queria palavras dispersas, descuidadas, pequenas, sem compromisso.
Queria imagens que me remetessem a um mundo inventivo.
Estou à beira de mim mesma, prestes a estabelecer contato.
Ele vem, chega, insinua sua presença e depois, engraçadinho, vai embora.
E eu começo: “despertador de sol, levantador de lua”...
E o texto nada me diz.
Apago.
E eu continuo insistindo neste vício de me fazer entender.
“o moço segue pelo caminho denso”.
Palavras escolhidas, lindas...sem sentido. Caminho denso de que?
Floresta Amazônica, talvez..... chão de massapé molhado, mangue...
A conclusão é simples.
Não há nada a dizer. Por isso, nada que escrevo parece ter sentido.
Não é, tampouco, crise de criatividade.
Estou seca. Vazia.
O mundo girando numa velocidade de fórmula 1.
E eu parada, pareço um personagem dos desenhos animados mangai.
Queria palavras dispersas, descuidadas, pequenas, sem compromisso.
Queria imagens que me remetessem a um mundo inventivo.
Estou à beira de mim mesma, prestes a estabelecer contato.
domingo, 2 de outubro de 2011
Outubro
Outubro sempre chega com bons ventos pra mim.
Ares de renovação.
Pelo menos desde que ele me chegou feito um presente.
Um presente desejado, amado... um tesouro.
Outubro.
A palavra me soava dura, forte, austera. Achava abril, maio e junho meses mais simpáticos, confesso.
Me pareciam severos os meses do fim do ano, acumulando o cansaço de todo um ciclo, obstáculos antes das férias. E tudo terminava em BRO.... Setembro, outubro, novembro.... Outubro.
Antes dele, outubro me lembrava outono, folhas secas, tons pasteis. Outubro.
Vi nascerem flores entre suas vogais, adornando e colorindo meus dias. Ele era promessa de novembro.
Mas outubro o quis.
E assim, dia 11, chegou.
Me trouxe de presente o maior amor do mundo. Me veio como uma bênção, uma grande escola de vida, uma dádiva.
Outubro virou poesia.
E desde então, há 17 anos meu ritual se repete.
Chegou outubro, já estou te esperando.
No dia 11 você se renova.
E foi assim que eu virei mãe.
segunda-feira, 26 de setembro de 2011
a casa materna
Na casa dela a tosse ecoa,
A solidão enche os quartos.
A TV fala pra um corpo que dorme, alheio.
A pele fina parece cera, tamanha é a reclusão.
Na casa dela, louça de anteontem adorna a pia.
Talvez, o único sinal de vida.
Nada mais se mexe.
Uma vassoura varrendo no térreo vira música.
Passa um carro ao longe.
Tudo se ouve.
Houve mais nada.
Nem ela está mais na casa dela.
Sua alma ainda viva, ou quase, está de saída.
O que há na casa dela?
A tosse, a solidão, palitos de dente espalhados, fios dentais, remédios pra dor.
E esta dor que não passa....
A solidão enche os quartos.
A TV fala pra um corpo que dorme, alheio.
A pele fina parece cera, tamanha é a reclusão.
Na casa dela, louça de anteontem adorna a pia.
Talvez, o único sinal de vida.
Nada mais se mexe.
Uma vassoura varrendo no térreo vira música.
Passa um carro ao longe.
Tudo se ouve.
Houve mais nada.
Nem ela está mais na casa dela.
Sua alma ainda viva, ou quase, está de saída.
O que há na casa dela?
A tosse, a solidão, palitos de dente espalhados, fios dentais, remédios pra dor.
E esta dor que não passa....
sexta-feira, 9 de setembro de 2011
Bom-bom de café no retrovisor
Dente que doi, carro parado no trânsito,menino flanando pelas ruas, bom-bom de café pendurado no retrovisor.
Não vejo muito bem os outros, não consigo muito bem entender a lógica. A rigor, tudo o que há aqui eu já vi em outros lugares. Menos os detalhes, que são rigorosamente locais.
Outro dia, tinha um motorista conversando com a cobradora do ônibus do lado. Credito não, moço. E ele se volta pros passageiros: gente, vi esta menina crescer.
Ai todo mundo ri. A moça era mais velha que ele, muito.
Gosto de ônibus por isso. Todo mudo se mistura. Já ganhei receita de bolo, já aprendi a fazer lambedor.
E ainda ganho a visão aérea da cidade. Cada dia viajo de um lado da janela. Assim, muda a paisagem.
Parnamirim/Macaxeira, alto Santa Isabel, Rio doce dois irmãos.
Dá licença de eu estar em lua-de-mel com a minha cidade?
E só quem mora por aqui sabe que bom-bom de café pendurado no retrovisor é quase uma modalidade olímpica.
Não vejo muito bem os outros, não consigo muito bem entender a lógica. A rigor, tudo o que há aqui eu já vi em outros lugares. Menos os detalhes, que são rigorosamente locais.
Outro dia, tinha um motorista conversando com a cobradora do ônibus do lado. Credito não, moço. E ele se volta pros passageiros: gente, vi esta menina crescer.
Ai todo mundo ri. A moça era mais velha que ele, muito.
Gosto de ônibus por isso. Todo mudo se mistura. Já ganhei receita de bolo, já aprendi a fazer lambedor.
E ainda ganho a visão aérea da cidade. Cada dia viajo de um lado da janela. Assim, muda a paisagem.
Parnamirim/Macaxeira, alto Santa Isabel, Rio doce dois irmãos.
Dá licença de eu estar em lua-de-mel com a minha cidade?
E só quem mora por aqui sabe que bom-bom de café pendurado no retrovisor é quase uma modalidade olímpica.
sexta-feira, 2 de setembro de 2011
olhar estrangeiro
Lanço um olhar estrangeiro sobre a minha terra natal.
O moço que varre a rua, tenta vencer o vento do final do inverno, que joga no chão as folhinhas mínimas,
A senhora que come biscoito Maria - doce e seco – me espera cedinho na esquina do trabalho.
O menino que atravessa a rua por entre os carros – aqui as faixas de pedestre não funcionam....
Lanço um olhar estrangeiro e cúmplice.
Começo a fazer o mesmo.
Atravesso as ruas por entre os carros.
Aceito um biscoito vez por outra.
Dou bom dia ao porteiro pontual que tentar limpar a calçada.
O cheiro é peculiar,
O jeito da gente me conforta.
Com licença,
Cheguei em casa.
O moço que varre a rua, tenta vencer o vento do final do inverno, que joga no chão as folhinhas mínimas,
A senhora que come biscoito Maria - doce e seco – me espera cedinho na esquina do trabalho.
O menino que atravessa a rua por entre os carros – aqui as faixas de pedestre não funcionam....
Lanço um olhar estrangeiro e cúmplice.
Começo a fazer o mesmo.
Atravesso as ruas por entre os carros.
Aceito um biscoito vez por outra.
Dou bom dia ao porteiro pontual que tentar limpar a calçada.
O cheiro é peculiar,
O jeito da gente me conforta.
Com licença,
Cheguei em casa.
quarta-feira, 24 de agosto de 2011
Salete no céu
Se Manuel Bandeira tivesse conhecido nossa Salete, certamente teria escrito um poema.
Um poema de amor, um poema de admiração ou de louvor.
Ele descreveria uma pernambucana intensa, uma mulher de olhar doce, uma criatura pura.
Ele ainda falaria do bairro do cordeiro, do mercado, da feira.
Falaria que onde ela passava deixava um rastro, uma marca.
Eu li outro dia um poema de Manuel Bandeira que dizia assim:
Irene no céu
Irene preta
Irene boa
Irene sempre de bom humor.
Imagino Irene entrando no céu:
— Licença, meu branco!
E São Pedro bonachão:
— Entra, Irene. Você não precisa pedir licença
Quando nossa Salete, a minha Tia Salete chegou lá no céu, organizou logo um pastoril, foi recebida com fogos e com alegria. São Pedro escolheu a melhor túnica e os anjos organizaram logo um sarau.
Me imagino e sempre me imaginarei ao lado dela recitando poesias, cantando músicas e vendo o por do sol. Aquele foi o nosso céu.
terça-feira, 16 de agosto de 2011
A última seca
A seca queima os lábios, tatua meu corpo com veias brancas, fininhas,superficiais.
Posso arriscar fazer desenhos pelos braços e pernas. Um hidratante, pelo amor de Deus!!!!
10% de umidade relativa do ar e a gente sente que o que floresce mesmo são os ipês.
Amarelos, lindos, majestosos, imunes à seca, as árvores reinam na paisagem do planalto.
Vou me despedindo sem drama. No mais, minha alma vai desidratando.
São as últimas horas como habitante do Brasil Central.
Tento entender o sentido de ir e vir, de estar com pessoas, fazer laços e depois deixá-las.
A ilusão da completude me move, me leva, me traz.
O engraçado é fazer parte de vários lugares ao mesmo tempo, do planalto ao nível do mar. Dos ipês aos cactus, do Sena ao Capibaribe.
Minha tentativa vã de unir os mundos celebra esta vida. Posso de repente andar pelas ruas e esbarrar em alguém. Alguém com quem já tive ou mantenho laços. Alguém que jamais verei denovo: - “Com licença, não te conheço de algum lugar”??
Seria do elevador? Do aeroporto? Você parece com uma pessoa que eu conheço...”
Estou seca e superficial como nunca. Não quero sentir a saudade que já se avoluma na porta. Não quero ouvir o barulho da chuva que se anuncia na nova morada.
Vou seguindo, vou andando.
Vou andando e seguindo.
Um dia chego. Mas onde mesmo???
segunda-feira, 25 de julho de 2011
Amar é humano
Outro dia eu escrevi no facebook que o amor faz o homem.
Escrevi assim mesmo: “o amor faz o homem”. Ponto.
Era uma brincadeira, um jogo de palavras com o filme “A mulher faz o homem”, de Frank Capra, lançado em 1939. Eu já tentei ver este filme umas três vezes e nunca cheguei ao final.
Mas, detalhes à parte, minha intenção era dizer que o amor é que pode edificar, construir e colocar alguém pra cima. Homem, neste contexto, era o ser humano. Na hora em que eu estava postando, ainda pensei em escrever: “O amor faz o humano”. Mas na minha percepção ia ficar muito científico. Optei pelo jeito menos politicamente correto.
“O amor faz o homem”.
É isso mesmo. Homens e mulheres e crianças.
Minha frase humanista despertou alguns comentários. Uns disseram que homem faz sexo e mulher faz amor. Outros, lembraram que somente na maturidade homens fazem amor. Outros destacaram que o amor faz o homem e a mulher também.
Tudo isso é verdade.
Sexo, amor, desejo..... homens e mulheres são movidos e removidos por isso.
Mas eu, em meu momento talvez mais altruísta, queria lembrar que é preciso ter amor no coração. Meio adolescente, né? Daqui a pouco esta frase estaria ao lado daquelas ilustrações meio pálidas dos papéis de carta que eu colecionava com dizeres na melhor porção “amar é....”
Então me veio a ideia de que estou fora de foco, fora do eixo das coisas gerais.
Eu queria dizer mesmo que sinto falta de gentileza nas ruas, de amor próprio nas pessoas e de compaixão no coletivo.
No coletivo mesmo.
Andando de ônibus e de metrô é que a gente vê como estão mal-amados nossos compatriotas. Ou mal-educados.
Um festival de impropérios, de xingamento, de infelicidade.
Pra mim, isso é falta de amor. Ok, sou meio Poliana.
Falta dinheiro, emprego, falta igualdade e justiça social. Falta.
E eu me sinto ainda menor diante desses argumentos. Que ninguém pode ser feliz se não tem distribuição de renda, etc e tal. Sinto isso também, claro!
Mas me dá licença de voltar a falar do amor? Aquele que tira o fôlego, aquele que embala o bebê, aquele que aumenta a expectativa de vida, aquele que faz das pessoas menos máquinas.
E nesse aspecto, eu não falo nada de novo.
Já dizia o poeta: fundamental é mesmo o amor....
E nos três pontinhos finais, fica a opinião alheia.
sexta-feira, 15 de julho de 2011
... e ponto final
As luzes ainda entram pelas frestas,
Mas o breu toma conta da maior parte do lugar.
Anoitece.
Anoitecem os sonhos,
Apodrecem os planos.
E os vigores.
Crescem os fantasmas,
As sombras alimentam os medos.
Contos de fadas não existem.
Tudo é história de terror.
Ponto final.
Mas o breu toma conta da maior parte do lugar.
Anoitece.
Anoitecem os sonhos,
Apodrecem os planos.
E os vigores.
Crescem os fantasmas,
As sombras alimentam os medos.
Contos de fadas não existem.
Tudo é história de terror.
Ponto final.
terça-feira, 5 de julho de 2011
engano seu
Não se engane, ela não é uma menina. A história é besta, beira o ridículo e o que é pior: aconteceu mesmo!
Num dia, em meio à grande crise da vida, crise existencial, crise afetiva, crise financeira, ela peitou a vida.
Encontrou na pia da segunda-feira prato de sopa sujo do sábado, tinha rastro de almoço e jantar na mesa, perto do filtro.... tudo estava em desalinho.
Num gesto de generosidade consigo mesma, ela começou a ordenar tudo. Brincando de bonecas, arrumou a coleção de xícaras, colocou os pires no lugar e contou os pratos de sobremesa. Isso sim, era um traço da infância. Brincou sozinha a vida toda. Assim seja.
Ligou pra ele, meio tímida.
- Traz um vinho pro jantar?
- Tinho? Perguntou ele num reflexo.
- Tinto. Beijo.
Na cozinha agora organizada ela continuou brincando de bonecas. Salada, molho de tomate, bom queijo,pão, boa massa. Tudo com amor.
Na mesa redonda (porque cabe muita gente) colocou dois jogos americanos.
Taças para o brinde.
Velas e flores para o amor.
Tudo ordenado, sentou pra esperar.
E esperar lembra esperança, que deveria ser o substantivo de quem espera.
se fosse adjetivo, não combinava com ela.
Novela das seis, romântica. Jornal local, mal feito. Novela das sete, insuportável!
Ela então acessou seu filme pessoal e lembrou das tantas vezes que esperou por ele e que a comida esfriou. Requentou. Reesfriou.
Dia dos namorados, aniversário de casamento... meras datas pra ele. Motivos de ritual pra ela.
Tomou um banho demorado, vestiu uma roupa meio casual, meio alegre. Saia amarela longa de algodão cheia de florzinhas e blusa verde levinha, com bordado na gola. Nos pés, as sapatilhas que ele deu na sexta passada.
Sete e quarenta. Ela não agüentou. Pegou a chave do carro e saiu sem destino. Na cidade planejada não tinha amigos. Já no meio do caminho pra canto nenhum ele ligou. Tava em casa.
As taças, os pratos, as xícaras,as velas e as flores estavam lá.
Ela não....
Do outro lado da linha, ela ouvia com açúcar e com afeto.
Coitada dessa mulher.
Fugiu de casa por medo do que passou. Medo do que já foi.
Voltou pra casa cabisbaixa e encontrou os braços firmes dele.
Ele abriu o vinho, ela pediu desculpas.
Ele serviu o vinho, ela cozinhou a pasta.
Eles tomaram o vinho juntos e comeram o pão.
Comungaram como há quase duas décadas.
A ceia memorável, alface, tomate, queijo, atum.
A noite seguiu serena.
Um jantar comum, um momento único pros dois.
Num dia, em meio à grande crise da vida, crise existencial, crise afetiva, crise financeira, ela peitou a vida.
Encontrou na pia da segunda-feira prato de sopa sujo do sábado, tinha rastro de almoço e jantar na mesa, perto do filtro.... tudo estava em desalinho.
Num gesto de generosidade consigo mesma, ela começou a ordenar tudo. Brincando de bonecas, arrumou a coleção de xícaras, colocou os pires no lugar e contou os pratos de sobremesa. Isso sim, era um traço da infância. Brincou sozinha a vida toda. Assim seja.
Ligou pra ele, meio tímida.
- Traz um vinho pro jantar?
- Tinho? Perguntou ele num reflexo.
- Tinto. Beijo.
Na cozinha agora organizada ela continuou brincando de bonecas. Salada, molho de tomate, bom queijo,pão, boa massa. Tudo com amor.
Na mesa redonda (porque cabe muita gente) colocou dois jogos americanos.
Taças para o brinde.
Velas e flores para o amor.
Tudo ordenado, sentou pra esperar.
E esperar lembra esperança, que deveria ser o substantivo de quem espera.
se fosse adjetivo, não combinava com ela.
Novela das seis, romântica. Jornal local, mal feito. Novela das sete, insuportável!
Ela então acessou seu filme pessoal e lembrou das tantas vezes que esperou por ele e que a comida esfriou. Requentou. Reesfriou.
Dia dos namorados, aniversário de casamento... meras datas pra ele. Motivos de ritual pra ela.
Tomou um banho demorado, vestiu uma roupa meio casual, meio alegre. Saia amarela longa de algodão cheia de florzinhas e blusa verde levinha, com bordado na gola. Nos pés, as sapatilhas que ele deu na sexta passada.
Sete e quarenta. Ela não agüentou. Pegou a chave do carro e saiu sem destino. Na cidade planejada não tinha amigos. Já no meio do caminho pra canto nenhum ele ligou. Tava em casa.
As taças, os pratos, as xícaras,as velas e as flores estavam lá.
Ela não....
Do outro lado da linha, ela ouvia com açúcar e com afeto.
Coitada dessa mulher.
Fugiu de casa por medo do que passou. Medo do que já foi.
Voltou pra casa cabisbaixa e encontrou os braços firmes dele.
Ele abriu o vinho, ela pediu desculpas.
Ele serviu o vinho, ela cozinhou a pasta.
Eles tomaram o vinho juntos e comeram o pão.
Comungaram como há quase duas décadas.
A ceia memorável, alface, tomate, queijo, atum.
A noite seguiu serena.
Um jantar comum, um momento único pros dois.
quarta-feira, 29 de junho de 2011
LIBERDADE
Na minha terra, menino nasce que nem mato. E cresce que nem erva daninha. E aprende tudo quanto não presta antes mesmo de saber se virar.
As grandes escolas são as esquinas, e os professores, meninos franzinos só que escolados. É isso. Escolas lá de onde eu vim são as ruas.
A gente escreve no chão, de faca. A gente soletra somente a língua das ruas. A gente calcula apenas o entra e sai de menino nas bocadas.
Com meu pai foi assim. Com meu avô foi assim. Segui a tradição familiar e não neguei fogo.
Em pouco tempo ditava ordens. Menino de cambito fino ainda, mal conseguia carregar a arma importada, eu era o rei.
Aprendi a ser macho antes de engrossar a voz e andava pelas ruas na moral. Minha voz era a justiça, era a lei e a força.
E quando se vive assim, tudo acontece muito rápido. Um relâmpago.
E foi num desses estrondos que eu caí nas mãos dos cara da viatura. Vacilei. Também, acho que me entregaram.
Não interessa. Vacilei.
Me levaram, malharam nas minhas costas. Sentia o sangue quente escorrer, quase como um sonho. O carcereiro me entregou o jornal no dia seguinte com a minha foto. A boca estourada, o olho roxo. Me vi pela primeira vez. O homem me tinha como troféu. Eu só via as figuras. Ler não era comigo. O homem que tripudiava do meu lado traduziu as letras enormes: “Maior traficante da região foi preso”.
Era eu.
O menino que veio do esgoto, que cresceu na fome e triunfou com os homem do bagulho.
Até que deu orgulho.
Me ficharam. Esperaram sarar os ferimentos do rosto e fizeram uma foto, depois sujaram meus dedos de tinta e eu me identifiquei.
Seu escrever meu nome não.....
No presídio encontrei uns parceiros. Fui chegando devagar e fiquei na minha. Pensei em me regenerar e comprar um barraco quando saísse dali. Queria filho nem mulher não. Minha sina era sozinho mesmo.
Não tem o que fazer na prisão. Eu era bicho criado solto. Não sabia nem ver TV direito.
Tinha igreja lá dentro. Eu achava bonito aquele povo com o livro debaixo do braço. Achava que aquele livro era a chave que faltava pra eu me ajeitar.
Mas não deu muito certo não... sou homem de ter cabresto não.....
Ninguém me visitava naquele lugar. Não tinha mulher, nem mãe, nem irmã. Ás vezes um vizinho de cela me contava que tinha lido no jornal que os poliça tinham invadido e matado um monte de gente lá na minha área.
E eu ali, sem ter jeito de proteger o meu povo.....
Já fazia uns anos, recebi uma carta. Envelope branco, umas letra azul. O meu amigo de cela se ofereceu pra ler. E me deu uma raiva danada! A primeira carta que recebi na vida era outro que ia ler???? Isso tem jeito?????
Guardei o envelope fechadinho, como recebi e pensei que um dia ia aprender a ler as letras dos doutor.
Eu tinha era vergonha de ir pras aulas que umas moças ofereciam lá na cadeia. Pensava que se eu fosse burro e não conseguisse, seria vergonhoso por demais.
Passava na porta da classe, sentava no chão embaixo da janela e ficava ouvindo. Tinha vez que os alunos riam, tinha vez que estavam mais calados. A professora me parecia um anjo. Um dia peguei a carta e fui pedir a ela que lesse pra mim.
Mas na horinha mesmo eu voltei atrás. Que homem sou eu ! Tomei coragem e pedi pra assistir a aula.
Aquelas letras embaralhavam minha cabeça. Demorou pra meu juízo se entender com o lápis e o papel. Na verdade, quase um ano.
Aos poucos, fui me animando. Queria escrever, queria ler. Um bicho curioso começou a viver na minha cabeça, me acordava de noite. Eu só pensava em saber ler.
Até que um dia, tomei coragem e pedi pra professora me ajudar a ler aquela carta. Dois anos depois de ter recebido.
A professora primeiro mostrou meu nome na frente do envelope e o endereço da cadeia.
Atrás, tinha a pessoa que escreveu. Não era uma pessoa, era do Governo.
Oxe... o que o Governo quer comigo???
Será que eu tinha cometido outro crime?
Ela abriu o envelope com uma tesoura, bem direitinho. A carta tinha uma folha só.
O papel da carta era grosseiro, e era escrito por computador. Só tinha uma assinatura lá embaixo.
Me chamaram de “Prezado Senhor”. Achei bom. Nunca ninguém tinha me chamado de Senhor, quando mais de prezado.....
E a notícia tinha umas três linhas, mas era grandiosa. A notícia não poderia ser melhor.
A carta indicava que eu podia sair da prisão, que seria monitorado por uma assistente social, e que poderia até trabalhar.
Imagina só! Dois anos pra conseguir a liberdade!!!! A liberdade que eu me dei lendo sozinho a carta!
Arrumei meus terém e mostrei a carta pro diretor do presídio.
Fechei a mala e segui até a rua. Já tinha meus cabelos brancos, as pernas mais fracas.
Pela primeira vez na vida, li o letreiro do ônibus. Na padaria, li o preço das coisas.
Comprei pão e café. E segui em frente.
Não quero morrer feito mato.
Quero florescer feito árvore.
As grandes escolas são as esquinas, e os professores, meninos franzinos só que escolados. É isso. Escolas lá de onde eu vim são as ruas.
A gente escreve no chão, de faca. A gente soletra somente a língua das ruas. A gente calcula apenas o entra e sai de menino nas bocadas.
Com meu pai foi assim. Com meu avô foi assim. Segui a tradição familiar e não neguei fogo.
Em pouco tempo ditava ordens. Menino de cambito fino ainda, mal conseguia carregar a arma importada, eu era o rei.
Aprendi a ser macho antes de engrossar a voz e andava pelas ruas na moral. Minha voz era a justiça, era a lei e a força.
E quando se vive assim, tudo acontece muito rápido. Um relâmpago.
E foi num desses estrondos que eu caí nas mãos dos cara da viatura. Vacilei. Também, acho que me entregaram.
Não interessa. Vacilei.
Me levaram, malharam nas minhas costas. Sentia o sangue quente escorrer, quase como um sonho. O carcereiro me entregou o jornal no dia seguinte com a minha foto. A boca estourada, o olho roxo. Me vi pela primeira vez. O homem me tinha como troféu. Eu só via as figuras. Ler não era comigo. O homem que tripudiava do meu lado traduziu as letras enormes: “Maior traficante da região foi preso”.
Era eu.
O menino que veio do esgoto, que cresceu na fome e triunfou com os homem do bagulho.
Até que deu orgulho.
Me ficharam. Esperaram sarar os ferimentos do rosto e fizeram uma foto, depois sujaram meus dedos de tinta e eu me identifiquei.
Seu escrever meu nome não.....
No presídio encontrei uns parceiros. Fui chegando devagar e fiquei na minha. Pensei em me regenerar e comprar um barraco quando saísse dali. Queria filho nem mulher não. Minha sina era sozinho mesmo.
Não tem o que fazer na prisão. Eu era bicho criado solto. Não sabia nem ver TV direito.
Tinha igreja lá dentro. Eu achava bonito aquele povo com o livro debaixo do braço. Achava que aquele livro era a chave que faltava pra eu me ajeitar.
Mas não deu muito certo não... sou homem de ter cabresto não.....
Ninguém me visitava naquele lugar. Não tinha mulher, nem mãe, nem irmã. Ás vezes um vizinho de cela me contava que tinha lido no jornal que os poliça tinham invadido e matado um monte de gente lá na minha área.
E eu ali, sem ter jeito de proteger o meu povo.....
Já fazia uns anos, recebi uma carta. Envelope branco, umas letra azul. O meu amigo de cela se ofereceu pra ler. E me deu uma raiva danada! A primeira carta que recebi na vida era outro que ia ler???? Isso tem jeito?????
Guardei o envelope fechadinho, como recebi e pensei que um dia ia aprender a ler as letras dos doutor.
Eu tinha era vergonha de ir pras aulas que umas moças ofereciam lá na cadeia. Pensava que se eu fosse burro e não conseguisse, seria vergonhoso por demais.
Passava na porta da classe, sentava no chão embaixo da janela e ficava ouvindo. Tinha vez que os alunos riam, tinha vez que estavam mais calados. A professora me parecia um anjo. Um dia peguei a carta e fui pedir a ela que lesse pra mim.
Mas na horinha mesmo eu voltei atrás. Que homem sou eu ! Tomei coragem e pedi pra assistir a aula.
Aquelas letras embaralhavam minha cabeça. Demorou pra meu juízo se entender com o lápis e o papel. Na verdade, quase um ano.
Aos poucos, fui me animando. Queria escrever, queria ler. Um bicho curioso começou a viver na minha cabeça, me acordava de noite. Eu só pensava em saber ler.
Até que um dia, tomei coragem e pedi pra professora me ajudar a ler aquela carta. Dois anos depois de ter recebido.
A professora primeiro mostrou meu nome na frente do envelope e o endereço da cadeia.
Atrás, tinha a pessoa que escreveu. Não era uma pessoa, era do Governo.
Oxe... o que o Governo quer comigo???
Será que eu tinha cometido outro crime?
Ela abriu o envelope com uma tesoura, bem direitinho. A carta tinha uma folha só.
O papel da carta era grosseiro, e era escrito por computador. Só tinha uma assinatura lá embaixo.
Me chamaram de “Prezado Senhor”. Achei bom. Nunca ninguém tinha me chamado de Senhor, quando mais de prezado.....
E a notícia tinha umas três linhas, mas era grandiosa. A notícia não poderia ser melhor.
A carta indicava que eu podia sair da prisão, que seria monitorado por uma assistente social, e que poderia até trabalhar.
Imagina só! Dois anos pra conseguir a liberdade!!!! A liberdade que eu me dei lendo sozinho a carta!
Arrumei meus terém e mostrei a carta pro diretor do presídio.
Fechei a mala e segui até a rua. Já tinha meus cabelos brancos, as pernas mais fracas.
Pela primeira vez na vida, li o letreiro do ônibus. Na padaria, li o preço das coisas.
Comprei pão e café. E segui em frente.
Não quero morrer feito mato.
Quero florescer feito árvore.
sexta-feira, 24 de junho de 2011
o pássaro e a pedra
Em cima da pedra repousa lento, atento e alerta.
A pedra castigada por tremores, maltratada pela doce água e finalmente talhada por mãos cálidas, abriga o pequeno ser.
Voa, viaja e volta sempre à mesma pedra como a um porto seguro, e conta as novas do além mar.
A pedra sólida e imutável cede abrigo ao pequenino ser vulnerável. O pássaro livre é cativo do seu roteiro. Pousar e beber a água armazenada entre as pequeninas falhas da rocha. Toca o bico molhado naquela superfície grossa. Beija o áspero lábio e ali repousa sua semente.
Chove, vem o sol.
A rocha solidão vê crescer a primeira folha, nas entrelinhas dos seus encaixes.
Sol, vem a lua.
E o serzinho volta, imagina que agora a rocha de Machu Pichu não é mais tão só.
Voa e volta, sempre enquanto estiver pulsando. A pedra secular conhece este roteiro da vida. E o ninho que é feito na sua base também é seu.
Olha a velha montanha e ouve os pequeninos que ainda não voam.
Será ela a testemunha de outra geração.
Milhares de turistas do mundo inteiro passam por ali todos os dias buscando guardar para si um pouco da história.
E a história se faz contemporânea, explode em pássaros frágeis, que levam as boas novas, plantam flores nas rochas e transportam a vida.
Fui a Machu Pichu e como tantos turistas, senti a emoção da civilização.
Mas parei nesta imagem simples e vulgar. Ele esperou que eu fotografasse. Generoso, este pássaro. Posou com o olhar no firmamento e depois de dois segundos que o diafragma disparou, se foi.
Foi nesta imagem que compreendi a grandeza das civilizações. São todas feitas de pessoas comuns, carregando pedras, acreditando em deuses e criando seus animais.
A emoção de ver que fazemos o que já foi feito, que pisamos onde outros pisaram, que nos comovemos com emoções já sentidas.
Os amores imortais que se foram, os desejos inconcebíveis saciados.
Não sou o pássaro nem a pedra.
Observo e me nutro dos meus olhos.
segunda-feira, 13 de junho de 2011
Conforme a música
De olhos fechados ela dança melhor.
Fecha os olhos e imagina um mundo colorido que é guiado somente pelos passos ritmados.
É madrugada, já.
De olhos fechados, ela constrói uma história, uma fábula.
Deixa-se levar pelo parceiro e pensa que deveria fazer assim por toda a vida.
Deixa-se jogar para a direita, para a esquerda, paradinha no centro, junto com a marcação da zambumba.
Na vida, ela toca a zabumba, mas gosta mesmo é de dançar.
E quer dançar de agora pra frente.
Dançar todos os dias. Todas as horas.
Se deixar levar pelos braços dele como um passeio bom.
De olhos fechados, imaginar a realidade e deixar a vida por conta do guia.
Uma espécie de cegueira, talvez.
Cegueira social, cegueira providencial.
E a música toca. De forró pra xote, de xote pra baião.
Ele inventa os passos. Ela deixa-se levar, feliz. Não abre os olhos que é pra brincadeira não acabar acabar.
Amanhã tudo vai voltar ao normal. Ela de olhos abertos, ele de olhos fechados.
Cavalheiro, cumprimente a sua dama!
quarta-feira, 8 de junho de 2011
simples assim....
Foi um abraço apertado, mãos pequeninhas, braços roliços.
Um abraço entre continentes, que se ligaram para sempre.
Mas naquele momento, as duas meninas de cabelinho escuro não sabiam disso. Estavam somente pensando na brincadeira que se seguiria àquelas apresentações.
O fascínio de quem vive em países tão distantes era misturado a uma intimidade de irmã.
5 e 6 anos.....
E os dias se seguiam como quem não vê o tempo passar.
Uma bicicleta para duas. E se seguia uma rotina meio cansativa para quem assistia à cena. Cada uma dá uma volta. Cada uma dá duas voltas.....assim era pulando corda, brincando de elástico, dividindo as bonecas.
- Aliás, como é mesmo boneca em francês?
- E aquele personagem que tem uma varinha mágica, como se diz em português???
E as férias acabavam. Anos se passavam. As meninas-moças se reencontraram.
Trocaram ideias.
A que veio do frio trouxe maquiagem diferente, a que estava no calor tinha roupas mais alegres.
Trocaram as brincadeiras, mas a cumplicidade aumentou.
E as meninas-moça viraram mulheres.
A mais nova teve filho primeiro e a mais velha mandou uma carta que dizia: “é engraçado, porque enquanto você vive a experiência de mãe, eu estou aqui fazendo mestrado. É como se você experimentasse por mim”. E foi mesmo. Ela teve dois filhos homens.
Anos depois, as famílias se encontraram no velho continente. Moravam porta com porta. Saíam parceiras para o supermercado, com a mochila nas costas. Uma cozinhava pra outra....
E até que nasceram as duas filhas da mais velha. E num é que a mais nova reviveu mesmo a experiência da maternidade????
Esperam, agora, ficar juntas por todo o tempo.
Ver os netos juntas, envelhecer juntas.
A amizade que surgiu num abraço envolveu as vidas.
E elas, nascidas primas, se fizeram irmãs.
domingo, 5 de junho de 2011
Sem título, 2011
Quanto mais me despedaço, mais inteira pareço ser.
Quanto mais me entrego à dor, mais rápido passo por ela.
Intensa.
Vivo em poucos dias minhas décadas,
Teorizo em minutos minhas lógicas.
Sigo em busca da minha verdade, parte ficção.
Quanto mais busco, mais me encontro
No amor, no sonho e na linha da vida.
Quanto mais me entrego à dor, mais rápido passo por ela.
Intensa.
Vivo em poucos dias minhas décadas,
Teorizo em minutos minhas lógicas.
Sigo em busca da minha verdade, parte ficção.
Quanto mais busco, mais me encontro
No amor, no sonho e na linha da vida.
domingo, 22 de maio de 2011
lucidez
Flores no vaso.
Cortinas na janela.
Velas na mesa.
Assim segue a minha vida, fugindo dos fantasmas.
Flores para alegrar o ambiente, cortinas para proteger do sol, velas iluminam os caminhos.
E lá se vão quase quatro décadas!
E o passado nunca esteve tão perto, dentro de mim, afagando minhas lembranças. É engraçado, porque quanto mais tempo faz, mais me alegro, mais me aproximo, mas me enriqueço com as lembranças.
Chego mesmo a entender porque quando chegamos lá no final da vida, lá quando voltamos à infância e esquecemos a realidade, nos transportamos para o universo de criança. Esta viagem às avessas tem lá sua lógica. Evoca-se os amigos, busca-se paisagens perdidas, fuça-se o colo materno.
E quem me lê (se é que alguém o faz) deve ter já vivido pequenos lampejos como este: café de roça, cuscuz de milho verde, perfume de lavanda, cheiro de manga... alguma coisa já levou você pro passado. E qual seria, então, o problema de não sair mais de lá?
Se a vida passada era melhor, ou se dela extraímos somente o bom extrato, relegando seu bagaço ao lixo.
Guardo meu lixo em um lugar seguro, para qualquer dia ter a lucidez de tratá-lo.
Disso tudo, eu aqui na insignificância dos meus 39 anos, só posso ter uma certeza, quase frágil.
Viver é mesclar o passado e o futuro. E nesta viagem perigosa, quase uma alucinação, o risco é ficar no meio do caminho, perdendo o prumo na linha imaginária que divide a realidade da lembrança.
Viver é estar.
E o abajur na contra luz,
A cortina na penunbra,
A toalha rendada da mesa,
A nova receita na panela
Continuam cuidando de mim.
terça-feira, 17 de maio de 2011
Furto da vida
Provei, na mesma taça, uma bebida amarga e doce.
O agridoce da vida.
Amargo do fim
Doce do recomeço
Fim de quem estava no meio
Recomeço de quem já traçou seu rumo.
Na mesma taça fina e larga, os sabores misturados não estão exatamente em harmonia.
Na minha alegria sincera coube o profundo pesar.
Comemorei a vida a cada gole.
É o cálice de quem compartilha.
Minha taça novamente está vazia.
Provei, tomei, engoli os dois sabores ao mesmo tempo, até a última gota.
Não me furto à vida.
O agridoce da vida.
Amargo do fim
Doce do recomeço
Fim de quem estava no meio
Recomeço de quem já traçou seu rumo.
Na mesma taça fina e larga, os sabores misturados não estão exatamente em harmonia.
Na minha alegria sincera coube o profundo pesar.
Comemorei a vida a cada gole.
É o cálice de quem compartilha.
Minha taça novamente está vazia.
Provei, tomei, engoli os dois sabores ao mesmo tempo, até a última gota.
Não me furto à vida.
domingo, 1 de maio de 2011
vaga música
Enquanto o batom desliza, enchendo de carmim os sulcos fininhos dos meus lábios, eu finjo que me concentro. Concentro-me intensamente em fingir. Não estou ali. Tampouco quero estar. Pinto devagar os traços pouco definidos da minha boca, como se fosse uma tarefa árdua, solitária e indispensável.
Olho no espelho mas, na verdade, nem sou tão perfeccionista. Ganho tempo naquele ambiente tão vago. A música que toca vem lá dos anos 1990. As pessoas são um pouco lentas, umas vegan, outras diplomatas.
Ninguém se conhece direito e a luz difusa que entra pelas janelas ajuda a manter o clima.
Misterioso.
Olho pra tudo aquilo e penso que a trilha sonora, as roupas, o cardápio, as pessoas – incluindo eu- todos estamos descolados da realidade. Coletivamente unidos pela alienação.
Eu bebo uma sangria, antes estava bebendo vinho... experimentei coca cola...
E o vermelho opaco da minha boca já não é escudo para o vento seco.
Uma da manhã.
Vou ao banheiro desta vez.
Enquanto o batom desliza, enchendo de carmim os sulcos fininhos dos meus lábios, eu finjo que me concentro. Concentro-me intensamente em fingir. Não estou ali. Tampouco quero estar. Pinto devagar os traços pouco definidos da minha boca, como se fosse uma tarefa árdua, solitária e indispensável.
Olho no espelho mas, na verdade, nem sou tão perfeccionista. Ganho tempo naquele ambiente tão vago. A música que toca vem lá dos anos 1990. As pessoas são um pouco lentas, umas vegan, outras diplomatas.
Ninguém se conhece direito e a luz difusa que entra pelas janelas ajuda a manter o clima.
Misterioso.
Olho pra tudo aquilo e penso que a trilha sonora, as roupas, o cardápio, as pessoas – incluindo eu- todos estamos descolados da realidade. Coletivamente unidos pela alienação.
Eu bebo uma sangria, antes estava bebendo vinho... experimentei coca cola...
E o vermelho opaco da minha boca já não é escudo para o vento seco.
Uma da manhã.
Vou ao banheiro desta vez.
Enquanto o batom desliza, enchendo de carmim os sulcos fininhos dos meus lábios, eu finjo que me concentro. Concentro-me intensamente em fingir. Não estou ali. Tampouco quero estar. Pinto devagar os traços pouco definidos da minha boca, como se fosse uma tarefa árdua, solitária e indispensável.
terça-feira, 12 de abril de 2011
E quem sabe sonhavas meus sonhos.....
Eu já nem olho pra trás.
Mas a menina que encheu as mãos de tinta, sujou os pés e a camisa nova da mãe num dia sob a brisa de Olinda ainda vive.
Vive na mesma casa a mãe jovem, encantada pelo pequeno bebê de cabelos de milho e olhos de jabuticaba.
A segunda mãe, que recebeu nos braços um neném cheio de vida e ideias, vive no jardim.
E outras mulheres foram se chegando neste ambiente. A forte, a frágil, a livre, a submissa.
A cozinheira, a gourmet, a amante, a casta.
Todas elas amam o mesmo homem.
Amam o cara que pintou “homenagem aos olhos dela”.
Amam o homem que plantou o primeiro filho, lourinho.
Amam o que é pensador igual ao segundo bebê.
Amam o empreendedor, o artista, o macho, o casto.
Todos estes homens são meus.
Todas estas mulheres são suas.
Feliz bodas de rosas....
sexta-feira, 8 de abril de 2011
Ainda não entendi.
Fiquei plantada no umbral pertinho da escada rolante. Um mar de gente, um tsunami de expressões, de pensamentos, de interesses. Gente amada, mau-amada, gente feliz, gente feia, gente bonita.
Comprei um pastel de queijo e um refresco de caju e simulava estar saboreando devagar aquela porção. Mas na verdade, aquele era o meu disfarce. Eu disfarçava muito mal. Por trás de mim de repente aparece um homem numa cadeira de rodas. Autônomo em seu rastafári e sua boina tricolor, pegou o elevador. Desapareceu da minha vista.
E na escada rolante, descia agora um baita contêiner de lixo, com dois homens se acabando pra conseguir equilibrar as coisas. Dois muitos depois, os mesmos rapazes de uniforme azul quase piscina sobem, com o tal container vazio, pelo menos parecia, pelo pequeno esforço que ele estavam imprimindo ao bicho.
Aí eu decidi descer a escada. E foi engraçado. Porque um rapaz assim bem normal me parou e disse: “você entrou aqui quando eu entrei e agora está saindo....eu fiquei percebendo que vc subiu e comeu muito devagar seu pastel”.
Eu ri por dentro, troquei quaisquer palavras com ele, procurei ser gentil, mas no fundo, lá dentro de mim, pairava a dúvida.
Na rodoviária do Plano Piloto eu não era a observadora antropológica. Eu era um bicho sendo observado tal qual quem está num aquário, ou num zoológico.
Bizarro....
Eu e a rodoviária ainda não nos entendemos.
Comprei um pastel de queijo e um refresco de caju e simulava estar saboreando devagar aquela porção. Mas na verdade, aquele era o meu disfarce. Eu disfarçava muito mal. Por trás de mim de repente aparece um homem numa cadeira de rodas. Autônomo em seu rastafári e sua boina tricolor, pegou o elevador. Desapareceu da minha vista.
E na escada rolante, descia agora um baita contêiner de lixo, com dois homens se acabando pra conseguir equilibrar as coisas. Dois muitos depois, os mesmos rapazes de uniforme azul quase piscina sobem, com o tal container vazio, pelo menos parecia, pelo pequeno esforço que ele estavam imprimindo ao bicho.
Aí eu decidi descer a escada. E foi engraçado. Porque um rapaz assim bem normal me parou e disse: “você entrou aqui quando eu entrei e agora está saindo....eu fiquei percebendo que vc subiu e comeu muito devagar seu pastel”.
Eu ri por dentro, troquei quaisquer palavras com ele, procurei ser gentil, mas no fundo, lá dentro de mim, pairava a dúvida.
Na rodoviária do Plano Piloto eu não era a observadora antropológica. Eu era um bicho sendo observado tal qual quem está num aquário, ou num zoológico.
Bizarro....
Eu e a rodoviária ainda não nos entendemos.
quarta-feira, 2 de março de 2011
Frevo da Saudade
Imagino que a saudade não vai embora.
Só encontra um lugar mais "consolidado" no peito.
Por enquanto a minha saudade
ainda está procurando onde construir sua morada.
Mas sei que uma hora ela vai se alojar.
Onde estaria a sua agora?
"Quem tem saudade não está sozinho
Tem o carinho da recordação
Por isso quando estou
Mais isolado estou bem acompanhado com você no coração
Um sorriso, uma frase, uma flor
Tudo é você
Na imaginação
Serpentina ou confete é carnaval de amor
Tudo é você no coração
Você existe como um anjo de bondade
E me acompanha neste frevo de saudade..."
(CAPIBA)
Pro Filipe, que brinca carnaval na imensidão
Só encontra um lugar mais "consolidado" no peito.
Por enquanto a minha saudade
ainda está procurando onde construir sua morada.
Mas sei que uma hora ela vai se alojar.
Onde estaria a sua agora?
"Quem tem saudade não está sozinho
Tem o carinho da recordação
Por isso quando estou
Mais isolado estou bem acompanhado com você no coração
Um sorriso, uma frase, uma flor
Tudo é você
Na imaginação
Serpentina ou confete é carnaval de amor
Tudo é você no coração
Você existe como um anjo de bondade
E me acompanha neste frevo de saudade..."
(CAPIBA)
Pro Filipe, que brinca carnaval na imensidão
segunda-feira, 7 de fevereiro de 2011
Não esqueça de escovar os dentes.
Era domingo e eu acordei cedinho, ainda na insistência da barra da noite. Engraçado que dava a sensação de que alguém tinha docemente me chamado, despertado de um sono profundo e que, depois daquele meu despertar, seria impossível voltar a dormir. Então, decidi ir ver a casa. Sempre faço isso, desde sempre. Gosto de olhar para a casa vazia, muda, inerte. Consigo enxergar nela seus habitantes pelas pistas que eles vão depositando nos cantos, nos encostos dos sofás, pela chinela esquecida embaixo da mesa, pelos copos displicentes nas estantes.
Nem precisei acender as luzes porque o sol já se impunha sobre a noite. E então, percebi que eles não estavam ali. Na verdade, eu já sabia, mas a força do hábito me traiu. Abri a primeira porta e vi uma calça jeans espalhada na cama. Uma perna do avesso, a outra quase tocando no chão. Ri sozinha. Se ele estivesse ali, eu reclamaria. Mas, como eu não estava representando nenhum papel, peguei a calça e coloquei a mão em uma das pernas para tirar do avesso. Era um gesto mecânico, de quem lava roupa, passa roupa, estende roupa e dobra roupa. E neste gesto estavam guardados todos os significados. Pela primeira vez percebi que somente colocar a mão não seria o bastante pra alcançar a barra da calça. Meu deus! Como meu menino cresceu! Com mais custo consegui, enfim.
Melhor não mexer nas gavetas. Ele está um rapaz.
Na porta ao lado, também fechada, fica o jeito do mais novo. Tudo arrumado à primeira vista, salvo se você se atreve a abrir a porta do guarda-roupa. Ele saiu, foi passar o fim de semana fora e deixou tudo “organizado”.
Nem me atrevi. Dobrei somente uns papéis.
Nada de sono. O sol já estava mais alto. Do quarto do caçula eu ouvia o ressonar do meu marido, companheiro de um tempo que eu nunca imaginei chegar.
Fui ao banheiro social, o dos meninos. E lá foi que eu senti a maior ausência. Não encontrei suas escovas de dente. Dizem que quando a gente casa junta as escovas de dente, não é?
Pois naquele momento entendi que meus filhos estavam ganhando o mundo. E que ganhem mais ainda! Conquistem seus sonhos e me tragam sua felicidade!!!
O ruim disso tudo é o medo de ficar parada no tempo, correndo o risco de só lembrar deles no pretérito imperfeito.
Meu desafio é acompanhá-los, seguir no caminho deles como mera observadora.
O futuro não é meu.
Só não esqueçam de escovar os dentes....
Nem precisei acender as luzes porque o sol já se impunha sobre a noite. E então, percebi que eles não estavam ali. Na verdade, eu já sabia, mas a força do hábito me traiu. Abri a primeira porta e vi uma calça jeans espalhada na cama. Uma perna do avesso, a outra quase tocando no chão. Ri sozinha. Se ele estivesse ali, eu reclamaria. Mas, como eu não estava representando nenhum papel, peguei a calça e coloquei a mão em uma das pernas para tirar do avesso. Era um gesto mecânico, de quem lava roupa, passa roupa, estende roupa e dobra roupa. E neste gesto estavam guardados todos os significados. Pela primeira vez percebi que somente colocar a mão não seria o bastante pra alcançar a barra da calça. Meu deus! Como meu menino cresceu! Com mais custo consegui, enfim.
Melhor não mexer nas gavetas. Ele está um rapaz.
Na porta ao lado, também fechada, fica o jeito do mais novo. Tudo arrumado à primeira vista, salvo se você se atreve a abrir a porta do guarda-roupa. Ele saiu, foi passar o fim de semana fora e deixou tudo “organizado”.
Nem me atrevi. Dobrei somente uns papéis.
Nada de sono. O sol já estava mais alto. Do quarto do caçula eu ouvia o ressonar do meu marido, companheiro de um tempo que eu nunca imaginei chegar.
Fui ao banheiro social, o dos meninos. E lá foi que eu senti a maior ausência. Não encontrei suas escovas de dente. Dizem que quando a gente casa junta as escovas de dente, não é?
Pois naquele momento entendi que meus filhos estavam ganhando o mundo. E que ganhem mais ainda! Conquistem seus sonhos e me tragam sua felicidade!!!
O ruim disso tudo é o medo de ficar parada no tempo, correndo o risco de só lembrar deles no pretérito imperfeito.
Meu desafio é acompanhá-los, seguir no caminho deles como mera observadora.
O futuro não é meu.
Só não esqueçam de escovar os dentes....
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